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    Marcelo Leite

    Para onde segue o mundo em que meu neto nasceu

    13/02/2017 02h00

    John Sonntag - 10/11/2016/Nasa via AP
    Imagem aérea da Nasa mostra rachadura na geleira Larsen C, na península Antártica
    Imagem aérea da Nasa mostra rachadura na geleira Larsen C, na península Antártica

    Quarta-feira (8) chegou meu segundo neto. Uma miniatura de 3,2 kg que varreu a família com um vagalhão renovador e o convite irresistível a olhar além dos limites estreitos do presente para pensar no que vem por aí.

    Dois dias antes, a publicação científica "Nature Biomedical Engineering" havia divulgado um estudo de deixar pasmo. Grupo de 11 pesquisadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) anunciava ter conseguido manter em funcionamento por seis dias um termômetro de engolir.

    Se você que nem pensa em ter filhos ficar surpreso, imagine quem já sonha com uma penca de netos.

    O experimento se realizou no estômago de cinco porcos, não de pessoas. Mas não é improvável que o próprio Tomás venha a se valer de uma engenhoca dessas, se um dia precisar monitorar de modo contínuo a temperatura interna do corpo.

    A cápsula contendo o sensor de temperatura mede 3 cm por 1 cm. Transmite os dados por wi-fi. Usa a própria acidez do conteúdo estomacal ou intestinal para acionar os eletrodos e gerar energia.

    Parece que a eletrônica ingerível veio para ficar. Já estão em desenvolvimento microaparelhos para captura de vídeos, liberação controlada de medicamentos, medidas de acidez e pressão –além de frequência cardíaca a respiratória.

    Difícil não se lembrar do que era futurismo em 1966, quando foi lançado o filme "Viagem Fantástica". Para salvar a vida de um cientista com um coágulo no cérebro, a equipe com Stephen Boyd e Raquel Welch embarca num submarino que, miniaturizado, se introduz nas veias do paciente.

    Por outro lado, um dia depois desse artigo, e um dia antes do nascimento, saiu no jornal "The New York Times" um relato também chocante, mas este de mau augúrio: a rachadura na plataforma de gelo Larsen C avançou 27 km em dois meses.

    O desvão entre a parede de gelo ainda ancorada na península Antártica e o iceberg em separação alcança 3 km em certo trecho. A fratura se alonga por 160 km e, nessa toada, a ruptura completa se dará logo.

    Quando o cataclismo ocorrer, será o terceiro nessa laje de gelo com centenas de metros de espessura. Em 1995 destacou-se Larsen A; sete anos depois, Larsen B, que tinha mais de 3.000 km² de superfície (área correspondente a dois municípios de São Paulo).

    O iceberg surgido com a separação de Larsen C será um dos maiores já registrados, com algo entre 5.000 e 6.000 km².

    Como a Larsen C já se encontra sobre o mar, não trará de imediato elevação do nível do mesmo. Mas essas plataformas compõem a vanguarda marítima de geleiras que repousam sobre terra e, uma vez desimpedidas para escorregar oceano adentro, contribuirão para elevá-lo.

    Se os cálculos mais preocupantes se confirmarem, até o ano 2100 os mares poderão subir 1,5 m ou mais. Santos, Rio de Janeiro, Nova York e outras cidades litorâneas precisarão gastar muito dinheiro dos contribuintes para se proteger de toda essa água.

    Tomás terá então seus 83 anos (é muito provável que a longevidade continue avançando no compasso da biomedicina). Tomara que o engenho humano capaz de criar um termômetro de engolir consiga também reverter as sequelas dos maus tratos que viemos infligindo à atmosfera nos últimos dois séculos.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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