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    Marcelo Leite

    Método analítico sugere que queda de preço da cocaína reduziu crime em NY

    14/05/2017 02h00

    O diário espanhol "El País" chamou atenção, na reportagem "Três Trabalhos Científicos que Podem Mudar o Mundo", para uma hipótese intrigante: teria a queda nos preços de drogas causado a redução da criminalidade em Nova York?

    A hipótese aparece no terceiro artigo destacado, 'Mais Drogas, Menos Crimes': Por que Caiu a Criminalidade na Cidade de Nova York, 1985-2007", de Travis Wendel, Geert Dhondt, Ric Curtis e Jay Hamilton.

    O trabalho publicado no periódico "Dialectical Anthropology", por sua vez, foi pescado pelo jornal na útil compilação de pesquisas "Mudando o Mundo, um Artigo por Vez".

    Wendel e cia. trazem contribuição inovadora para um debate que parece não ter fim. Já se aventou de quase tudo para explicar a melhora nova-iorquina e em outras partes dos EUA:
    * crescimento da economia;
    * relaxamento do porte de armas;
    * mais restrições ao porte de armas;
    * penas agravadas;
    * maior encarceramento;
    * ação policial aperfeiçoada;
    * legalização do aborto;
    * imigração; ou até um
    * "efeito irmão caçula" (consumo de drogas e criminalidade associada desestimulados pelos efeitos devastadores do crack observados nos irmãos mais velhos).

    Nos Estados Unidos, segundo o quarteto, 17% dos presidiários foram para a cadeia por delitos praticados na tentativa de obter dinheiro para sustentar o uso de entorpecentes. Seu raciocínio: se o preço da droga cai, diminui o incentivo para obter recursos de modo ilícito a fim de manter o vício.

    Com exceção da maconha, de fato ocorreu uma depreciação –pela metade– das drogas no período estudado. A cocaína pura baixou de US$ 460 o grama nos anos 1980 para US$ 230 na década de 2000. O mesmo se deu com a heroína de alto grau, que foi de US$ 3.600 o grama para US$ 2.100.

    OK, o preço caiu, e a criminalidade também regrediu. Qualquer calouro sabe, contudo, que correlação não implica causalidade. Ambas as evoluções podem ter sofrido influência de fatores não relacionados –cartéis mais eficientes na Colômbia e repressão policial a pequenos delitos em Nova York, por exemplo.

    Os autores do estudo recorreram, na tentativa de corroborar o vínculo forte entre as duas variáveis, à chamada causalidade de Granger. Trata-se de um teste estatístico criado pelo britânico Clive Granger (1934-2009), Nobel em Economia de 2003, para inferir a relação de causa e efeito analisando a série histórica quantitativa de dois fenômenos.

    Não chega a ser uma prova de causação, mas o método tem sido usado em economia para postular ligações entre processos. Wendel e sua turma constataram que o recuo nos preços de cocaína, heroína e crack "causaram" (à moda Granger) a redução da taxa de furtos, e também que só o valor da cocaína –mas não os da heroína e do crack– teriam levado à diminuição de homicídios.

    Eis aí uma oportunidade de abrir novas linhas de investigação, com possíveis implicações para o debate sobre descriminalização de algumas drogas.

    É, no mínimo, uma hipótese tão intrigante quanto a de que a baixa de homicídios em São Paulo seja causada pelo predomínio do PCC e sua influência disciplinadora sobre os bandidos –ideia igualmente abominada por mentes conservadoras.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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