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    Marcelo Leite

    Pantanal ainda é o bioma mais preservado do país, mostra relatório

    19/06/2017 12h24

    Lalo de Almeida/ Folhapress
    Vitória-régia no rio Paraguai, no Pantanal
    Vitória-régia no rio Paraguai, no Pantanal

    Um novo relatório, que será lançado na quarta-feira (21), indica que o Pantanal conserva a posição de área natural menos devastada pela sanha brasileira contra qualquer tipo de mato. De acordo com dados de satélite, 82% da imensa planície alagável continuam intactos.

    É uma situação parecida com a da floresta amazônica, que mantém 80,5% da cobertura vegetal de origem. Ou seja, 19,5% já foram para o espaço –melhor dizendo, para a atmosfera, na forma de gases do efeito estufa (compostos de carbono que agravam o aquecimento global).

    O estudo "Monitoramento da Cobertura Vegetal e Uso do Solo da Bacia do Alto Paraguai", obtido pela coluna, se refere ao ano 2016 e foi feito pelo WWF com a Fundação Tuiuiú e a Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Seu lançamento ocorrerá dentro de dois dias em Campo Grande (MS).

    A semelhança da Amazônia com o Pantanal é só aparente. As diferenças começam pelo tamanho: a floresta amazônica tinha originalmente 4 milhões de quilômetros quadrados (km²), quase metade do tamanho do Brasil. O Pantanal, algo entre 140 mil km² e 150 mil km², conforme a fonte (respectivamente, o estudo em questão e o IBGE), menos de 2% do território nacional.

    Apesar do nome, o Pantanal é também mais seco (1.200-1.400 mm anuais de precipitação) que a Amazônia (1.500-3.250 mm). A água se acumula nele porque a topografia é plana e ela demora para escoar na cheia, mas sua maior parte vem de chuvas que caem no planalto em volta, onde ficam as cabeceiras dos rios da bacia do Paraguai.

    Apesar do alto grau de preservação, basta olhar o mapa da área desmatada ("antropizada", no jargão ecológico, e em vermelho, na figura) para ficar preocupado. O Pantanal é uma planície alagável cercada de desmatamento por todos os lados.

    Reprodução

    A perda de vegetação não é boa para os rios. Eles podem até ganhar mais vazão, se a água deixar de se infiltrar lentamente no solo graças à presença da floresta e escorrer direto para o leito fluvial, mas ao mesmo tempo aumenta a erosão.

    Boa parte do solo carregado vai parar no Pantanal, onde se deposita nos rios lerdos, formando os "arrombados" (rios cada vez mais largos e rasos, resultado do assoreamento). Má notícia para os répteis, peixes e pássaros que fazem a riqueza da fauna pantaneira e veem, assim, seu habitat transtornado.

    O desmatamento no planalto é fruto da expansão agrícola, que converte cerrado e outras matas em campos cultivados (soja, milho, algodão, cana etc.) e pastos.

    O Pantanal também tem muita pecuária, mas ela é praticada ali de forma extensiva, com manejo de pastagens naturais –o capim que cresce entre os capões de mata e as lagoas (chamadas de "baías"). Pelo menos 5% do bioma (quase 7.500 km²) abrigam essas áreas naturais manejadas (ANM), como as chama o estudo do WWF, que as inclui nos 82% de preservação.

    Há quem veja aí um risco, pois esse manejo pode bem ser meio caminho andado para uma definitiva antropização. Por exemplo, com a introdução de espécies exóticas de capim. Se essas ANM forem descontadas, o grau de manutenção do Pantanal virgem cai para 77%.

    Talvez não fosse o suficiente para perder o posto de bioma menos devastado do Brasil, porque afinal um desconto semelhante teria de ser feito na Amazônia. Há muita área degradada por lá que não entra na estatística de desmatamento, que se baseia só no que o satélite enxerga como corte raso.

    O WWF monitora o desmatamento pantaneiro desde 2008, mas esse foi o primeiro levantamento feito com a UCDB e a Tuiuiú, e a metodologia foi aperfeiçoada. Apesar de a comparação com anos anteriores não ser recomendável, tecnicamente, parece certo que houve deterioração: oito anos antes, quase 87% do Pantanal ainda estavam preservados.

    O estudo do WWF indica que meros 45% da área de cabeceiras no planalto estão preservados. Com base no cadastro ambiental rural (CAR), os autores estimam que os donos das terras estejam devendo aproximadamente 3.900 km² de reserva legal (área da propriedade que, por lei, deve ser mantida com vegetação natural).

    O custo para recuperar esse enorme passivo ambiental, que pode sufocar lentamente o Pantanal, é da ordem de R$ 3,9 bilhões. Isso dá menos de 40% dos R$ 10,3 bilhões que a JBS terá de pagar de multa em seu acordo de leniência com o Ministério Público Federal.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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