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    Marcelo Leite

    Cobalto produzido por crianças é a pedra no caminho de carros elétricos

    20/08/2017 02h00

    Travis Dove/The New York Times

    Baterias de íons de lítio, similares às que deram leveza e horas de conversa aos celulares, estão revolucionando o transporte individual. Ao mesmo tempo, impulsionam a exploração de trabalho infantil na República Democrática do Congo (RDC).

    Carros elétricos estão para o motor de combustão interna assim como estes estiveram para as carruagens, no final do século 19. Não há como contornar a substituição dos segundos pelos primeiros.

    Seria bom, no entanto, encontrar uma alternativa -ou fornecedores alternativos- para o cobalto imprescindível às pilhas de 18 mm de diâmetro por 65 mm de comprimento que recheiam essas baterias de alto desempenho, capazes hoje de fazer os veículos rodarem 300 km sem recarga.

    O lítio está no centro da química que permite às baterias produzir corrente elétrica, pois fornece as partículas carregadas. Não representa, porém, o componente mais abundante nos seus eletrodos; além disso, ele conta com jazidas abundantes em países como Austrália, Chile e Argentina.

    No caso das baterias de celulares, tablets, câmeras e laptops, conhecidas como LCO, 60% do eletrodo contém cobalto. Nas baterias automotivas NMC, que equipam os modelos da Tesla, do visionário Elon Musk, entram também níquel e manganês na composição, metais também abundantes.

    O calcanhar de aquiles está no cobalto, que contribui para dar às células leveza e alta ciclagem (possibilidade de ser recarregada várias vezes). Metade do suprimento mundial tem origem na RDC, país notoriamente instável, e sua distribuição é controlada por empresas da China, que também produz o minério.

    A desproporção é enorme. Em 2016 o Congo produziu 66 mil toneladas, contra 7.700 t da China, a segunda colocada. O Brasil não aparece entre os dez primeiros, mas pode produzir em torno de 2.500 a 3.500 t.

    A obtenção do cobalto ocorre como subproduto da mineração de níquel e de cobre. Na RDC, entretanto, uma parcela de até 40% desse metal é retirado do solo de forma artesanal, pelos chamados "creuseurs" (do francês para "escavador").

    São congoleses muito pobres, que cavam buracos na terra com as mãos ou ferramentas rudimentares para ganhar entre R$ 7 e R$ 10 por dia. Não raro são crianças de 10, 12 anos.

    Vendem a terra com cobalto para bibocas conhecidas como "comptoirs", comércio dominado por asiáticos, que pagam com base no teor de metal. A situação de penúria dos "creuseurs" fica evidente numa reportagem de 2016 do jornal "The Washington Post".

    A montadora Tesla promete inundar o mercado mundial com até 500 mil unidades de seu recém-lançado Modelo 3, em 2018, a US$ 35 mil cada. Afirma que todo o cobalto usado na gigafábrica erguida em Nevada com a Panasonic provirá dos EUA e do Canadá, mas há dúvidas quanto à sua capacidade de manter a promessa.

    Esses dois países fornecem apenas 4% das 124 mil toneladas de cobalto produzidas no mundo. Meio milhão de Modelos 3 exigiriam 6% da produção global, segundo estimativa da consultoria australiana citada por Sebastien Gandon no site Tech Crunch.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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