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    Mathias Alencastro

    Investida do PSG sobre Neymar é jogada diplomática do Qatar

    24/07/2017 02h00

    Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press/Folhapress
    Neymar, do Barcelona, comemora seu gol na vitória sobre o Juventus, por 2 a 1, no MetLife Stadium, pela International Champions Cup, em New Jersey (EUA)
    Neymar, do Barcelona, em jogo contra o Juventus; ele é assediado pelo PSG, do Qatar

    Ainda não se conhece o desfecho das negociações do Paris Saint Germain (PSG) pelo astro do Barcelona Neymar. Mas já dá para saber que o impacto da sua transferência irá muito além do campo de futebol.

    Mais conhecido pelo glamour do que por títulos, o PSG foi elevado a potência do futebol depois da sua aquisição pelo Fundo de Investimentos do Emirado do Qatar, em 2011. Para o Qatar, o investimento tinha um intuito: ampliar sua influência na Europa, no âmbito da sua ambiciosa estratégia de autonomia regional e projeção internacional.

    Quando o atual príncipe xeque Hamad bin Khalifa al-Thani chegou ao poder em 1995, o Qatar, que ascendeu à independência em 1971, tinha meio milhão de habitantes, o equivalente à população do centro expandido de São Paulo, e dependia da Arábia Saudita para sobreviver. Tudo mudou quando uma revolução tecnológica viabilizou as suas fabulosas reservas de gás. Em 20 anos, a economia expandiu de R$ 20 bilhões para R$ 500 bilhões, e um oásis de prédios luxuosos prosperou na pequena península.

    Durante esse tempo, o Qatar foi aos poucos se afirmando enquanto peça central da geopolítica do Oriente Médio. Adepto do multilateralismo, o país hospeda uma base militar americana, mantém relações diplomáticas com o Irã, recusa o embargo contra Israel, e abriga embaixadas informais de movimentos tão diversos como o Hizbollah, a Irmandade Muçulmana e o Taleban.

    Por meio da Al Jazeera, a TV estatal que ganhou notoriedade durante a Primavera Árabe; da sua companhia aérea, a Qatar Airways; e do prestigioso PSG, o Qatar busca consolidar a sua imagem além do mundo árabe. A organização da Copa do Mundo em 2022 há de ser o ponto culminante desse processo.

    AFP
    Prédios na região central de Doha, a capital do Qatar
    Prédios na região central de Doha, a capital do Qatar

    Porém, a superexposição também revelou os lados mais sombrios do pais. O Qatar é acusado de recorrer a redes de tráfico humano. A Anistia Internacional diz que os canteiros dos estádios da Copa são verdadeiros campos de trabalho forçado.

    No ano passado, dois jornalistas revelaram que políticos franceses como o ex-presidente Nicolas Sarkozy e o ex-ministro Dominique de Villepin receberam favores do Qatar. O caso ganhou tanta proporção que um candidato a presidente prometeu nacionalizar o PSG.

    A negociação por Neymar acontece num momento em que o Qatar e o PSG enfrentam uma encruzilhada. Humilhado pelo Barcelona na Liga dos Campeões e derrotado pelo Mônaco no campeonato francês, o PSG atingiu o seu teto competitivo na última temporada.

    No mês passado, o Qatar teve seus acessos interditados pela Arábia Saudita, os Emirados Árabes e o Egito, sob a acusação de financiar o terrorismo. Na realidade, o Qatar está sendo hostilizado pelos seus vizinhos por causa do seu dinamismo econômico e crescente reconhecimento internacional.

    Nesse contexto, a chegada de Neymar seria uma grande jogada diplomática e esportiva. Em plena crise de credibilidade, o Qatar enviaria um sinal à comunidade internacional que não vai recuar perante os obstáculos, e o PSG teria em sua posse um jogador do top 5 mundial, condição indispensável para conquistar a Liga dos Campeões, o seu objetivo máximo até a Copa de 2022. Quando o futebol se mistura com geopolítica, o valor da multa contratual do Neymar, cerca de R$ 800 milhões, vira uma pechincha.

    mathias alencastro

    É cientista politico e doutor pela Universidade de Oxford. Escreve às segundas, a cada duas semanas, sobre política europeia e africana.

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