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    Mathias Alencastro

    Odebrecht em Angola, fim do império

    21/08/2017 02h37

    Acervo Odebrecht
    Obras da Odebrecht de aproveitamento hidrelétrico de Lauca, em Angola
    Obras da Odebrecht de aproveitamento hidrelétrico de Lauca, em Angola

    Dia 23 de agosto, Angola realiza sua terceira eleição geral desde o término da guerra civil em 2002. Será o primeiro pleito sem José Eduardo dos Santos, presidente do país há 38 anos. A sua saída coloca um ponto final no império da Odebrecht. Trata-se de um dos episódios mais intrigantes da política externa das multinacionais brasileiras.

    Em sua delação premiada, Emílio Odebrecht remonta os primeiros contatos com o regime angolano aos anos 1980. Enquanto o governo tentava conter o avanço dos combatentes da Unita, a sua empresa construía obras de infraestrutura estratégicas, ocupava minas de diamantes e até participava das tentativas de acordo de paz pilotadas pela ONU.

    A vitória militar do governo em 2002 coincide com a decolagem da economia, alavancada pela alta do preço do barril de petróleo. Nessa altura, a Odebrecht era a maior doadora da Fundação Eduardo dos Santos, uma instituição que, de acordo com pesquisadores, destinava-se a desviar a renda petrolífera do Estado para os bolsos da família do presidente angolano.

    Ainda segundo a delação de Odebrecht, na virada do século, o presidente angolano investiu a empresa com duas missões estratégicas: assumir o papel de Ministério-Paralelo das Obras Públicas e forjar uma elite econômica por via da conversão dos senhores da guerra em homens de negócios.

    Durante a década seguinte, esse bizarro consórcio público-privado liderou um faraônico projeto de reconstrução nacional. Uma coorte de marqueteiros, consultores e aventureiros brasileiros gravitava em torno da Odebrecht e contribuía para a camuflar o regime angolano em aluno modelo do continente africano.

    O colapso do superciclo de commodities em 2014 derrubou essa encenação grotesca. Desde então, em Angola, hospitais funcionam sem seringas, escolas abrem sem professores, e áreas habitacionais recém construídas viraram cidades-fantasma.

    O desperdício de uma década de prosperidade desencadeou uma revolta silenciosa da população. Pressionado, o vetusto presidente decidiu ceder o lugar a um quadro do seu partido, João Lourenço, a fim de preservar os interesses financeiros da sua família. Totalmente comprometida com Dos Santos, a Odebrecht parece destinada a perder o seu lugar de mestre-de-obras do governo angolano.

    A ascensão e queda da Odebrecht ultrapassa o escopo da diplomacia brasileira, uma vez que, durante a sua hegemonia, a empresa era a ponte através da qual os governos brasileiros entravam em Angola, e não o contrário. O seu império deve ser compreendido como um episódio da relação entre Estado e capital privado nos dois lados do Atlântico Sul.

    Afinal, é impossível ignorar o paralelo histórico entre a Odebrecht e outras companhias que, à imagem da empresa negreira setecentista Companhia de Pernambuco e Paraíba e da novecentista Diamantes de Angola, desenvolveram uma relação predatória e simbiótica com o Estado. Atualmente matéria-prima de promotores e juízes, a história da Odebrecht em Angola terminará na mesa dos cientistas políticos.

    mathias alencastro

    É cientista politico e doutor pela Universidade de Oxford. Escreve às segundas, a cada duas semanas, sobre política europeia e africana.

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