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    Paul Krugman

    Invasão do Iraque não foi avaliação errada, foi um crime premeditado

    18/05/2015 12h46

    Surpresa! Parece que há algo de positivo em o irmão de um presidente fracassado tentar conquistar a Casa Branca. Graças a Jeb Bush, podemos enfim ter a discussão franca sobre a invasão do Iraque que deveríamos ter realizado uma década atrás.

    Mas muita gente influente –não só Bush– preferiria que não tivéssemos essa discussão. Existe um senso palpável, agora, de que a elite política e da mídia está tentando encerrar o assunto. Sim, diz a narrativa que eles propõem, hoje sabemos que invadir o Iraque foi um imenso erro, e é hora de que todos admitam o fato. Agora, sigamos em frente.

    Bem, prefiro não seguir –porque essa é uma narrativa falsa, e todos que estiveram envolvidos no debate sobre a guerra sabem que ela é falsa. A guerra do Iraque não foi um erro inocente, uma empreitada encetada com base em informações que se provaram incorretas. Os Estados Unidos invadiram o Iraque porque o governo Bush queria uma guerra. As justificativas públicas para a invasão eram nada mais que pretextos –e pretextos forjados, aliás. Fomos conduzidos à guerra, essencialmente, por uma série de mentiras.

    O fato de que os argumentos em favor da guerra fossem fraudulentos era evidente já então. O uso de diferentes sustentações para justificar um objetivo imutável era prova suficiente. Os jogos de palavras empregados idem –a conversa sobre armas de destruição em massa que misturava armas químicas (que muita gente acreditava Saddam Hussein tivesse) a armas nucleares, as constantes insinuações de que de alguma forma o Iraque esteve por trás do 11 de setembro.

    E a esta altura temos provas abundantes para confirmar tudo que os oponentes da guerra estavam dizendo. Sabemos, por exemplo, que já no 11 de setembro –literalmente antes que a poeira se assentasse–, o então secretário da Defesa Donald Rumsfeld estava conspirando para lançar uma guerra contra um regime que nada teve a ver com os ataques terroristas. "Determinar se isso basta para atacar S. H. (Saddam Hussein) –juntar todas as coisas, relacionadas ou não", dizem as anotações de um assessor de Rumsfeld sobre uma reunião.

    Tratava-se, em resumo, de uma guerra que a Casa Branca queria, e todos os supostos erros que, nas palavras de Jeb Bush, "foram cometidos" por alguém que ele não cita derivaram diretamente desse desejo subjacente. As agências de inteligência concluíram erroneamente que o Iraque tinha um programa de armas químicas e nucleares? Isso aconteceu porque elas estavam sob forte pressão para justificar uma guerra. As avaliações realizadas antes da guerra subestimaram imensamente as dificuldades e o custo da ocupação? Isso aconteceu porque os partidários da guerra não queriam ouvir coisa alguma que pudesse lançar dúvidas sobre a pressa de invadir. De fato, o chefe de Estado-Maior do exército terminou, para todos os efeitos, demitido, por questionar afirmações de que a fase de ocupação seria fácil e barata.

    Por que eles desejavam uma guerra? Essa é uma questão mais difícil de responder. Alguns dos proponentes da guerra acreditavam que usar as técnicas militares de "choque e intimidação" contra o Iraque reforçaria o poder e a influência dos Estados Unidos no planeta. Alguns viam a guerra no Iraque como uma espécie de projeto piloto, um preparativo para diversas mudanças de regime. E difícil evitar suspeitas de que tenha havido um forte elemento de "o rabo balançando o cachorro", ou seja, de usar o triunfo militar como forma de reforçar a posição do Partido Republicano no país.

    Quaisquer que tenham sido os motivos exatos, o resultado foi um capítulo muito sombrio na história dos Estados Unidos.

    Bem, é possível compreender por que tantas figuras políticas e da mídia prefeririam não falar sobre nada disso. Algumas delas, suponho, podem ter se deixado iludir, podem ter acreditado nas mentiras óbvias, o que não testemunha em favor de sua capacidade de julgamento. Outras, suspeito, eram cúmplices: perceberam que os argumentos oficiais em favor da guerra eram um pretexto, mas tinham motivos próprios para querer uma guerra, ou se permitiram intimidar e acompanharam a maré. Pois havia um clima claro de medo entre os políticos e os sabichões, em 2002 e 2003, um período no qual criticar a campanha em favor da guerra parecia ser a porta de saída de suas carreiras.

    Além desses motivos pessoais, nossa mídia noticiosa enfrenta problemas para lidar com a desonestidade de políticos, usualmente. Os repórteres relutam em denunciar as mentiras dos políticos, mesmo sobre assuntos cotidianos como os números do orçamento, por medo de mostrar parcialidade partidária. Na verdade, quanto maior a mentira, quanto mais claro o envolvimento e importantes figuras políticas em fraudes descaradas, mais hesitantes são as reportagens. E há pouca coisa mais séria –de fato, quase criminosa– do que levar os Estados Unidos a uma guerra por meio de mentiras.

    Mas a verdade importa, e não só porque as pessoas que se recusam a aprender com a História estão de alguma forma condenadas a repeti-las. A campanha de mentiras que nos conduziu ao Iraque é suficientemente recente para que os indivíduos culpados possam ser responsabilizados. Não importam os tropeços verbais de Jeb Bush. Pense em sua equipe de política externa, liderada por pessoas diretamente envolvidas em criar um falso argumento em favor da guerra.

    Assim, é preciso que nossa história quanto ao Iraque seja a certa. Sim, do ponto de vista nacional, a invasão foi um erro. Mas (com minhas desculpas a Talleyrand), ela foi pior que um erro: foi um crime.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    paul krugman

    Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.

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