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    Reinaldo José Lopes

    Para entender mudança climática, é crucial não misturar 'tempo' e 'clima'

    16/07/2017 02h00

    Todo santo inverno é a mesma história. O sujeito precisa de dois ou mais cobertores para se aquecer durante as noites paulistanas, ou então tem a felicidade de ir passar o final de semana na serra catarinense –e vai, todo pimpão, postar bobagem nas redes sociais: "Olha só que frio, cadê o aquecimento global kkkk", escreve ele na legenda da "selfie" que tirou ao lado do boneco de neve em São Joaquim (SC).

    Bom, o mero uso do "kkkk" como onomatopeia para risos já seria motivo suficiente para indiciar a criatura por crime de lesa-idioma-pátrio, mas grave mesmo é o raciocínio chinfrim por trás desse tipo de piadinha. Trata-se da eterna confusão entre "tempo" e "clima", gentil leitor. Não caia nessa.

    "Tempo" são os padrões de sol, chuva, frio, calor etc. de curto prazo, em geral na escala de dias ou de uma ou duas semanas. São coisas mais instáveis e sensíveis a pequenas variações atmosféricas e oceânicas –o que explica o porquê de as pessoas às vezes se enfurecerem tanto com a previsão do tempo (não "do clima", note bem) errada nos jornais e na TV. Não que os erros sejam tão comuns assim –hoje em dia a taxa de acerto é bem aceitável, na faixa dos 80%.

    Já "clima", como você deve ter adivinhado, tem a ver com escalas de tempo mais longas e com aspectos muito mais fundamentais do lugar que a Terra ocupa no Sistema Solar. É o clima que dita que o verão será seguido pelo outono e o inverno, pela primavera. Daí o absurdo de se questionar a realidade das mudanças climáticas só com base no fato de que, veja que impressionante, anda fazendo frio no inverno e calor no verão.

    Ocorre que ambas as coisas dependem de um fenômeno muito básico e difícil de alterar: a inclinação do eixo de rotação da Terra, responsável pelo fato de que, em dezembro, os habitantes do hemisfério Sul estão expostos de forma mais direta à luz do Sol do que os do hemisfério Norte (o que explica, portanto, a chegada do verão aqui e do inverno nos EUA). A humanidade tem alterado a Terra de trocentas maneiras nas últimas décadas, mas a gente ainda não descobriu como bagunçar o eixo de rotação do planeta, o que significa que invernos e verões continuarão ocorrendo como de costume.

    E, é lógico, existem diversas outras variáveis de médio e longo prazo que bagunçam as nossas expectativas climáticas normais. Temos o El Niño (o aquecimento anormal de parte das águas do oceano Pacífico) e outros fenômenos cíclicos que, na escala de anos, afetam a temperatura e o regime de chuvas; temos variações mais sutis na energia que vem do Sol, na poeira que os vulcões lançam na atmosfera de vez em quando –a lista não acaba.

    Tudo isso gera variabilidade natural no sistema climático da Terra, favorecendo extremos periódicos de frio ou calor, de umidade ou de secura. Mais importante ainda, todos esses fatores são levados em conta por quem tenta entender o que está acontecendo com o clima hoje e o que pode acontecer no futuro.

    São levados em conta, repito, e não são suficientes para explicar a tendência de aumento das temperaturas globais ao longo do último século e deste. A única coisa que explica essa tendência de modo coerente é, você adivinhou, o gás carbônico emitido pela ação humana. Confundir tempo com clima para questionar isso é um erro primário. Quem quer bancar o cético deveria, no mínimo, conhecer os fatos básicos antes de postar aquela foto de neve no Instagram.

    Reinaldo José Lopes

    É jornalista de ciência com graduação, mestrado e doutorado pela USP. É autor do blog "Darwin e Deus" e do livro "Os 11 Maiores Mistérios do Universo". Escreve aos domingos, a cada 2 semanas.

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