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    Ronaldo Lemos

    Programe ou seja programado

    29/02/2016 02h00

    Um dos maiores pensadores contemporâneos da mídia, em todas suas formas, é o norte-americano Douglas Rushkoff. Ele é autor da célebre frase "programe ou seja programado", que dá nome a seu penúltimo livro, de 2010.

    A boa notícia é que Rushkoff vai lançar nesta terça-feira (1º) seu novo livro nos EUA, chamado "Throwing Rocks at the Google Bus: How Growth Became the Enemy of Prosperity" (atirando pedras no ônibus do Google: como o crescimento tornou-se inimigo da prosperidade). A má notícia é que, para os fãs da sua obra até aqui, o novo título parece representar uma guinada no pensamento do autor.

    Nas palavras do querido mestre Umberto Eco, se antes Rushkoff podia ser descrito como um "integrado", confortável com um mundo ultraconectado, agora ele deve pular para o campo dos "apocalípticos", tornando-se mais um crítico ácido da tecnologia que vivemos hoje.

    Rushkoff é o criador da ideia de "viral", informações que são transmitidas exponencialmente de pessoa para pessoa, tal como o vírus da zika, só que tendo como vetor a internet. O tema foi objeto de seu livro "Vírus da Mídia" lançado, pasme-se, em 1993.

    Em entrevistas, ele se mostra desconfortável com o fato da sua ideia ter sido transformada no conceito de "marketing viral", praticado por publicitários do mundo todo. Sem meias palavras, diz: "Minhas ideias passaram a ser aplicadas por corporações maléficas".

    Motivado por esse desconforto, o novo livro faz um ataque às empresas de tecnologia contemporâneas. Sua tese principal é a de que a obrigação econômica de crescer acaba matando ideias que na sua origem seriam positivamente transformadoras.

    Ele cita como exemplo o Airbnb, que faz parte da chamada "economia do compartilhamento" e facilita alugar o próprio apartamento para desconhecidos. Ele afirma que a ideia é em si benéfica. Mas, para executá-la, a empresa teve que tomar tanto dinheiro no mercado de risco (venture capital), que agora precisa gerar um retorno extraordinário para os investidores.

    Na visão dele, essa dinâmica faz com que os jovens empreendedores acabem pervertendo suas boas ideias iniciais.

    Rushkoff (que não usa o Facebook desde 2013) defende outros usos alternativos para a tecnologia. Por exemplo, a possibilidade de empoderar localidades, criar moedas de troca comunitárias e dinâmicas da informação que reforcem laços sociais orgânicos.

    Acompanhando a visão atual de Rushkoff, lembrei-me das palavras da antropóloga Margaret Mead, que se aplicam perfeitamente para qualquer "guru" tecnológico dos nossos tempos: "Se o mundo se tornar aquilo que sonhamos, os habitantes desse novo mundo serão tão diferentes de nós que não darão valor àquilo que hoje pregamos. Não estaríamos mais em casa nesse mundo".

    Ao que tudo indica, Douglas Rushkoff não está mais em casa no nosso mundo.

    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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