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    Ruy Castro

    50 anos num instante

    17/10/2015 02h00

    RIO DE JANEIRO - O parque do Flamengo faz 50 anos hoje. E só então me dou conta de que minha relação com ele também tem 50 anos –desde que, por acaso, meus pais foram morar na rua do Russel, na Glória, em fins de 1965, pouco depois da inauguração. Imagine o que, para um garoto de 17 anos, significava sair pela porta do edifício, atravessar duas pistas e ter à sua frente um playground de 1,2 milhão de metros quadrados, com vista para o Pão de Açúcar e a baía de Guanabara.

    Para garotos sem grana e sem carro, como eu, o parque era perfeito para namorar a qualquer hora. Bom também para curtir uma fossa quando uma namorada nos dispensava –nenhuma solidão se comparava à de sua vastidão ensolarada. À noitinha, ia-se a pé à Cinemateca do MAM para assistir a "Napoléon", de Abel Gance, ou algo assim. E o Monumento aos Pracinhas era ideal para levar os primos da roça.

    Morador do Flamengo pelos anos seguintes, continuei fiel ao parque. Joguei peladas em seus campinhos; num suave declive, ensinei uma filha a andar de bicicleta; e foi numa de suas aléias que botei óculos pela primeira vez, só então descobrindo que as árvores tinham milhões de folhas. Minha fidelidade se estendia até a frequentar a praia do Flamengo, que, como toda praia de baía, não era das mais ilibadas.

    Hoje se sabe a quem devemos o parque: a Burle Marx, criador de seus jardins; Affonso Eduardo Reidy, de sua arquitetura; e Lota Macedo Soares, que o concebeu e conseguiu, a custo, que Lacerda, governador, enxergasse o seu alcance e soltasse o dinheiro para que ela o tornasse real.

    A vida me afastou do parque. Há anos que só passo por ele de táxi, a caminho de qualquer lugar. Mas pretendo tomar providências. Dia desses voltarei a ele, a pé. E, se me reencontrar em garoto por lá, vou avisá-lo: vá devagar, meu camaradinha –50 anos passam num instante.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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