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    Suzana Herculano-Houzel

    'Cérebros' cultivados sob encomenda

    26/09/2017 02h00

    Neil Conway/Flickr

    Madeline Lancaster nunca planejou criar bolotas de células que começam a se auto-organizar em algo semelhante a cérebros em plaquinhas de cultura, mas acabou descobrindo uma mina de ouro científico simplesmente porque fez o que ninguém até então fazia. Em outros laboratórios, quando as rosetas de células-tronco se soltavam do plástico da placa de cultura como flores levadas pelo vento, os pesquisadores descartavam as culturas e começavam de novo.

    Mas Madeline teve a curiosidade de olhar, notou que as rosetas agora soltas formavam bolotas esféricas de tecido –e descobriu que, passado um tempo flutuando em cultura, partes de alguns desses esferoides tomavam forma e começavam a parecer com... cérebros. Alguns formavam camadas empilhadas como o córtex cerebral; outros formavam uma, ou mesmo várias, retinas –que, aliás, é parte do cérebro, mesmo que extravasada para as órbitas.

    Madeline conseguiu repetir seu "erro de sorte" e estabelecer um protocolo para cultivar "mini-cérebros" sob encomenda. A revista Nature publicou seus achados em 2013, e desde então neurocientistas tem um novo "brinquedo" em seu arsenal de ferramentas: microorganoides.

    Há detratores que apontam, apropriadamente, que microorganoides auto-organizados a partir de células-tronco em cultura não são cérebros. De fato, não são. Mas no momento, como eles podem ser criados a partir de qualquer célula tronco recolhida do sangue ou induzida a partir de células da pele de chimpanzés, orangotangos, gorilas e qualquer outro animal que se deseje investigar (inclusive humanos), microorganóides oferecem o que se tem de mais próximo de um cérebro real em formação para se estudar as etapas do desenvolvimento do cérebro e o efeito de alterações genéticas.

    Nesta semana, em um congresso sobre desenvolvimento e evolução do cérebro na Dinamarca, Madeline apresentou sua mais nova invenção, que os demais pesquisadores presentes podem agora acrescentar ao seu livro de receitas: microesferoides que crescem alongados como embriões, ao redor de microfibras, e assim se transformam espontaneamente com maior frequência no neuroepitélio que então se organiza espontaneamente como se fossem cérebros.

    Não são cérebros, claro, muito menos embriões inteiros –por isso não há protesto na porta do congresso. Tampouco é ficção científica. É ciência pura, bancada pelo governo do Reino Unido. Espertos, eles.

    SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da Universidade Vanderbilt e autora do livro "The Human Advantage" (Amazon.com) suzanahh@gmail.com

    suzana herculano-houzel

    Carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha.
    Escreve às terças, a
    cada duas semanas.

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