Se procurarmos um ensaio geral para as manifestações de junho, deveríamos voltar os olhos para a Amazônia. Lá se encontra o megacanteiro de obras da usina de Jirau: uma das peças principais da política energética brasileira.
Em 15 de março de 2011, o Brasil viu uma das mais violentas manifestações do subproletariado contra suas condições degradantes de trabalho. Sem se sentirem representados por sindicatos e outros atores políticos tradicionais, os trabalhadores de Jirau, que descobriram como as condições de trabalho no novo Brasil continuam insuportáveis, atearam fogo em alojamentos e ônibus. Eles atearam fogo também na afirmação de que o subproletário brasileiro preza a ausência de radicalismo e a segurança.
Foi assim que começou o governo Dilma, ou seja, com um sinal de alerta gritante para a frustração da sociedade com os limites do desenvolvimento social brasileiro.
Depois de Jirau, veio uma sequência quase ininterrupta de greves: de policiais, bombeiros, professores, coveiros. Todos reclamando dos baixos salários, incapazes de dar conta dos gastos em um país onde somos obrigados a pagar por educação e saúde, onde não se pode contar com transporte público e onde o preço dos imóveis explodiu devido à especulação imobiliária. Um país onde o banco estatal de desenvolvimento (o BNDES) foi capaz de aplicar uma política de incentivo à formação de grandes "players" internacionais que acabou por oligopolizar ainda mais a economia.
Sendo assim, não é nem um pouco estranho que um dos eixos das manifestações de junho tenha sido a incapacidade de o Estado brasileiro parar o processo de corrosão dos salários e criar serviços públicos universais e de qualidade. Pois, se há algo que une tanto o subproletário quanto a classe média, é a consciência de que o processo de ascensão social produzido pelo lulismo esgotou. Ele só poderia continuar por meio da criação de um Estado capaz de oferecer serviços públicos que eliminassem os gastos das famílias com educação, transporte e saúde.
Para tanto, contudo, não há milagre. Como dizem os liberais, não há almoço de graça. O problema brasileiro é que, quanto mais rico você é, menos paga seu almoço. Para impedir que rentistas, herdeiros, empresários que recebem mapas da mina das mãos do pai privatista e outras figuras do bestiário nacional continuassem almoçando sem pagar, o governo deveria ter partido para uma reforma fiscal que obrigasse os ricos a fazer o que não fazem em nenhum país latino-americano: pagar impostos.
Mas, para isso, seria preciso outra ideia do que significa "garantir a governabilidade". Ela é necessária agora, quando não dá mais para esconder Jirau no meio da floresta.
É professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às sextas.