Do Jobi, tradicional bar no Leblon, até a entrada do morro do Vidigal, na zona sul do Rio, são 15 minutos de caminhada costeando o mar pela avenida Niemeyer.
Veja imagens da ocupação na Rocinha e Vidigal
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De lá para o mirante do "Arvrão", uma das mais belas vistas do Rio de Janeiro, bem no alto da comunidade, são cinco minutos de moto pela avenida João Goulart, que sobe o morro em espiral até o mirante, cujo nome se deve a uma enorme árvore visível ao nível do mar.
A pergunta que se ouvia no sábado (12) antes da ocupação era: "Quanto tempo os tanques demorarão para chegar lá em cima?".
Jason Scott/Artur Voltolini/Folhapress | ||
Vista da orla carioca a partir do mirante do "Arvrão", no topo da favela do Vidigal; veja galeria de imagens |
Divididos em casas de alvenaria que se espalham pelas centenas de ruazinhas, vielas e escadarias que saem da avenida principal, vivem entre 13 mil moradores, segundo o IBGE, e 40 mil, segundo Wanderley Ferreira, presidente da associação de moradores.
Embora sejam próximos, Vidigal e Rocinha são muito diferentes entre si. "A Rocinha é bem maior, é uma cidade festiva. O Vidigal tende a ser mais ordeiro, e, embora o poder aquisitivo dos moradores daqui seja menor do que na Rocinha, o nível cultural e político é maior", define Wanderley.
Ele atribui a diferença a três motivos: a luta vitoriosa contra a remoção de moradores da parte de baixo da comunidade em 1976; a "ocupação" do Vidigal por artistas e descolados desde os anos 1970 --como Gal Costa, e Lima Duarte e Sergio Ricardo, este ainda morador-- e a presença de organizações voltadas à promoção cultural e social como a ONG Gasco e o Grupo Nós do Morro, que forma atores e cineastas desde 1986 e forneceu parte do elenco do filme "Cidade de Deus".
Embora há menos de um ano houvesse barricadas noturnas na entrada da comunidade, além de homens carregando livremente seus fuzis como se fossem joias, a relação do tráfico com os moradores era pacífica.
A situação começou a melhorar apenas após o incidente no hotel Intercontinental --foi invadido por traficantes em agosto do ano passado após uma tentativa de prender Antônio Bonfim Lopes, o Nem, chefe da facção ADA (Amigos dos Amigos), que comandava tanto a Rocinha como o Vidigal-- e a ocupação militar no complexo do Alemão.
Jason Scott/ Artur Voltolini/Folhapress | ||
Policial vasculha casas na favela do Vidigal, na zona sul do Rio, durante ocupação; veja galeria de imagens |
As barricadas foram desmontadas e os traficantes trocaram seus fuzis por discretas pistolas, enfiadas da cintura, numa espécie de auto-pacificação de fachada.
A vida seguiu normalmente no Vidigal até a tarde da última quarta-feira (9), quando chegaram os primeiros carros de polícia à entrada do morro, que estavam lá mais para marcar presença do que para bloquear as saídas.
Só a presença deles já afastou o ponto dos motoqueiros mais para cima da avenida, já que, das aproximadamente 250 motos responsáveis pelo transporte coletivo dentro da comunidade, apenas cerca de 40 estão com os documentos legalizados. Os outros moto-taxistas sabiam que acordariam desempregados no domingo. Todos estavam preocupados: "Como que os moradores subirão o morro para casa na volta do trabalho sem motos e com apenas duas Kombis?".
Wanderley acredita que faltou diálogo do poder público com a comunidade, para evitar esse tipo de problema.
A população do morro está acostumada com situações extremas e mudanças do poder local. Em 2002, foram meses de batalhas sangrentas entre homens do Comando Vermelho e os da vitoriosa ADA. As marcas de balas na parede estão por toda a comunidade para não deixar esquecer.
As noites de sexta-feira costumam ser agitadas, bares cheios e festas se espalham pelo morro. A principal era o baile funk: uma enorme parede de caixas de som bloqueava uma área plana da avenida principal, num volume altíssimo. Na noite que antecedeu a ocupação, quase todos os bares fecharam mais cedo.
Apenas um pequeno grupo de dez homens e duas mulheres dançava funks proibidões no máximo volume que seu pequeno aparelho de som permitia.
No sábado, a polícia começou a revistar carros e mochilas. As repetidas imagens televisivas de Nem preso chamavam a atenção. Ao fim da tarde, filas se formaram nos supermercados. Era melhor estocar mantimentos.
Uma senhora na fila desabafou: "É guerra civil mesmo, é o governo contra o povo". Outra rebatia: "Tudo que eu tenho comprei à prestação, se quebrarem alguma coisa eu mato!". A população sabia que a maioria dos traficantes já havia fugido. Estava com medo da polícia.
No hostel Casa Alto Vidigal, no alto do morro, um grupo de turistas estrangeiros jogava pôquer e tentava descobrir se ainda haveria uma festa prometida por garotas alemãs. Stewart Alsop, americano radicado no Rio e sócio de uma pista de paintball no morro da Dona Marta, havia decidido escrever um blog sobre a ocupação (ottrio.wordpress.com).
À meia-noite as motos haviam sido proibidas de circular, e o único bar aberto era o eterno Dico. No resto do morro, silêncio.
Em seu apartamento, entre instrumentos musicais e cinzeiros, o compositor Sérgio Ricardo discorria: "Na verdade, nosso povo sempre está refém de alguma coisa. A saída de bandidos de um morro como o Vidigal não soluciona os problemas mais cruciais".
De volta ao alto do morro, foi possível acompanhar o desfile de tanques e homens vestidos de preto, como num Sete de Setembro sombrio. Do lado de fora do hostel, uma voz dizia: "Se eles chegarem ao 'Arvrão' está tudo perdido".
O dia amanheceu. A polícia tinha conquistado o morro sem prisões nem tiros. Atrás da porta, policiais embasbacados com a vista, a mesma que em 2010 foi capa da revista "Wallpaper". A população começava a sair de casa, alguns ofereciam café aos policiais, outros arriscavam conversar. Uma moradora exclamava: "Até que enfim! Tinha seis anos que não subia polícia aqui!".
Nídia de Paula, 61, ex-musa da pornochanchada e capa da "Playboy", é hoje corretora de imóveis e síndica de um condomínio no começo da subida do Vidigal. Conta que há dois anos vendeu um apartamento dúplex, com dois quartos e vista para o oceano, por R$ 120 mil. Um ano e meio depois, revendeu-o por R$ 300 mil. "E vai subir ainda mais. Os preços do Vidigal estão muito defasados em relação aos do resto da zona sul."
Andreas Wielend, austríaco proprietário do hostel Casa Alto Vidigal, diz: "Comprei há dois anos o terreno e uma casa de 90 m² por R$ 34 mil, hoje a construção está com 150 m². Não vendo por menos de R$ 500 mil."
Na segunda-feira, a energia do morro havia mudado. Não houve relato de agressão por parte dos policiais e a população estava aliviada.
Comerciantes reclamavam que sairá cara a legalização e que terão que repassar o valor dos alvarás e das novas taxas aos preços. Os moradores estimam aumento de pelos R$ 100 nos gastos mensais. Uma vendedora da Sky vibrava: "Agora que acabaram os 'gatos', as vendas subiram 99%."
A primeira grande novidade na paisagem são os capacetes utilizados por motoqueiros e passageiros que sobem e descem o morro.
ARTUR VOLTOLINI, 31, designer gráfico e jornalista paulistano, mora desde agosto de 2010 num apartamento no começo da subida do Vidigal. Ao saber da ocupação, resolveu fazer a cobertura jornalística a partir do alto de morro, de cima para baixo, pelo mesmo ponto de vista dos moradores da comunidade. Subiu, em meio a barricadas, até o "Arvrão", de onde acompanhou tudo. Nos dias seguintes, andou pela comunidade e conversou com moradores e policiais.