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    Fogo em boate produziu o mesmo gás usado por nazistas, diz médico

    LAURA CAPRIGLIONE
    ENVIADA ESPECIAL A SANTA MARIA

    30/01/2013 05h00

    Um pedido de doação de medicamento, feito pela diretora de enfermagem do Hospital Universitário de Santa Maria, Soeli Terezinha Guerra, 50, ajudou a esclarecer a natureza dos sofrimentos impostos aos jovens feridos e mortos no incêndio da boate Kiss.

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    Hidroxocobalamina é o nome do medicamento solicitado. Serve para combater a intoxicação causada pelo gás cianeto, o mesmo usado nas câmaras de gás nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial.

    Era o princípio ativo do tristemente famoso Zyklon B dos campos de extermínio.

    Segundo o pesquisador Anthony Wong, diretor médico do Ceatox (Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) trata-se de um dos venenos mais letais, por sua capacidade de paralisar os mecanismos de produção de energia das células, matando-as.

    Pois o cianeto apareceu junto com a fuligem e o monóxido de carbono dentro da Kiss, como consequência da combustão dos materiais usados no revestimento acústico.

    "Não tem cheiro nem cor e é capaz de matar em um prazo curtíssimo, de quatro a cinco minutos", explica Wong.

    A detecção do cianeto é feita por análises químicas. Mas essa suspeita já existia mesmo antes da confirmação laboratorial. "É que o gás é subproduto da combustão de materiais como espuma de poliuretano, usada em revestimentos baratos com finalidades acústicas", diz Wong.

    Revestimentos acústicos de boa qualidade são antichamas e não inflamáveis, portanto não produzem o cianeto.

    A enfermeira Soeli disse ontem à Folha que o Hospital Universitário de Santa Maria já recebeu doações da hidroxocobalamina em quantidade suficiente para o tratamento dos pacientes lá internados (até ontem em número de 11).

    Mas o toxicologista da USP considera inaceitável que o principal hospital público da cidade tenha de ter contado com doações. "Na França, todos os serviços de pronto-socorro estão equipados com a hidroxocobalamina para tratar intoxicações por cianeto."

    Ele explica que, no Brasil, o medicamento (comercializado sob o nome de Rubranova) é de difícil acesso porque o laboratório que importava o sal parou de fazê-lo, e o país não o produz. Nas farmácias, o sal também não é vendido.

    No Hospital Universitário, três pacientes ainda necessitam de ventilação mecânica, para conseguir respirar. E ainda há o risco de sequelas causadas por lesões nas células nervosas, fruto da falta de oxigênio. Esse é um resultado possível da intoxicação por cianeto, uma vez que o veneno mata as células que entram em contato com ele.

    O mais cruel do veneno é que, sem cheiro nem cor, muitos jovens acabaram intoxicados, achando que estavam protegidos por máscaras improvisadas com roupas molhadas enroladas no rosto. Se conseguiu barrar boa parte das partículas de fuligem, diz Wong, esse expediente foi absolutamente inútil contra o cianeto.

    Editoria de Arte/Folhapress

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