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    Grupo de patinadores usa pontos turísticos de SP como pista noturna

    ROBERTO DE OLIVEIRA
    AVENER PRADO
    DE SÃO PAULO

    09/02/2014 01h52

    Apenas a varrição noturna dos garis se fazia ouvir em frente ao Theatro Municipal, quando as palavras saídas de um megafone relembraram que São Paulo nunca para. Os carros já se tinham ido; era chegada a hora dos patinadores tomarem as ruas.

    Eram quase 21h30 e o grupo começava a ganhar corpo nas escadarias do teatro. De ônibus, carro, metrô, eles iam chegando. Uma hora depois, eram 50 participantes.

    É gente da periferia e de bairro "bacana". Garotinho de 11 anos ao lado de um senhorzinho de cabelo branco "7.0". Parece até orquestrado o movimento de sacar os patins de dentro das mochilas.

    É a primeira vez que o motorista Cláudio Bernardo da Silva, 23, participa da trupe. Enquanto ajeita o par de patins importados que lhe custou R$ 1.200 (ele ganha R$ 1.500/mês), explica que sua expectativa é a de se deparar com uma São Paulo ímpar: vazia, com espaço exclusivo para eles, os patinadores.

    Esperança essa compartilhada não só pelo motorista como também por profissionais de áreas distantes. Fisioterapeutas, mecânicos, auditores, empresários etc. se reúnem um vez por semana na chamada Quinta Festa para patinar no centro, à noite.

    Ao mesmo tempo que ajeita a joelheira, a cotoveleira e o capacete, a turma fica atenta ao roteiro anunciado no megafone pelo instrutor de patinação Robson Andrade Silva, 41, o Corvo.

    "Isso é para fomentar uma cultura nova por aqui. Quiçá no país", explica ele, cachos rastafáris "escorrendo" do capacete, duas lanternas acesas na mão esquerda. Detalha o início do trajeto ao sinalizar a posição dos batedores.

    Editoria de Arte/Folhapress

    "Sempre terá alguém para te segurar pelo braço", avisa a uma iniciante o empresário Rodrigo Silva Amaral, 31, um dos "terríveis" (grupo de manobristas radicais), um dos quatro batedores do grupo.

    No megafone, Corvo aumenta o tom ao alertar sobre as normas do passeio. "É proibido pegar carona, beber álcool e andar na contramão. Vamos e voltamos juntos."

    No instante em que o capítulo da oratória é direcionado a patinadores de primeira viagem -os "tamagotchi"-, Corvo baixa a bola.

    Os encontros, articulados pelas redes sociais, sempre atraem "novatos". Ninguém paga nada para participar.

    Basta um par de patins (nem precisa ser importado), espírito de equipe e uma dose de disposição. Afinal, são 9 km diante de prédios históricos e cartões-postais.

    "O centro à noite tem seu charme. A população deveria deixar o medo de lado e explorar mais a região", acredita a promotora de eventos Cristiane Reis, 43, patinadora da Pompeia, zona oeste.

    Falta pouco para o relógio da Sé bater meia-noite. É aí que rola um dos momentos favoritos do grupo: circular por 15 minutos ao redor do Marco Zero, em frente à catedral ícone de São Paulo.

    "Jamais viria aqui", avisa a fisioterapeuta Renata da Silva Melo, 36. "Imagine num horário desses e sozinha", conta a patinadora, que mora na Vila Buarque, centro.

    BICHO-PAPÃO

    Os patinadores reconhecem que uma "aura de bicho-papão" ronda o centro.

    Sempre que sai para patinar, a auditora Denise Giffoni, 30, e o marido, o fisioterapeuta Rafael Ferreira Pinto, 30, da Aclimação (zona sul), costumam ouvir de pais e amigos a velha ladainha sobre os perigos do centro.

    "Considero a região menos perigosa do que a Paulista. Ao menos para nós, patinadores", diz ela. "Há moradores de rua, que estão dormindo, e usuários de droga na ativa, mas a gente não tem contato com eles. Só passamos."

    Na opinião do marido, o trajeto é bem policiado. Seu colega patinador, Roberto Natil, 36, guarda-civil metropolitano, concorda. "Há muitas bases da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar pelo caminho. E toda a região é monitorada por câmeras."

    Mas Natil não hesita em repetir um mantra: "Quando se anda [no caso deles, patina] em grupo, todo santo ajuda".

    São quase duas da matina quando a adrenalina do grupo vai a pico: os patinadores chegam a atingir 50 km/h ao descer uma das ruas mais muvucadas de São Paulo, a José Paulino, que, em altas horas, está deserta que só.

    A gritaria assusta, mas só os gatos pingados que ronronam por aquelas bandas.

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