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    Em busca de refúgio, estrangeiro fica 20 dias retido em aeroporto

    ADRIANA FARIAS
    DE SÃO PAULO

    14/06/2014 02h00

    O mecânico ganês Mohan *, 27, passou 20 dias retido em uma área restrita do aeroporto de Cumbica (Guarulhos, Grande SP), em março. O engenheiro bengalês Usman *, 36, teve mais sorte: sua retenção foi de 5 dias. Os dois queriam solicitar refúgio no país.

    Segundo a Defensoria Pública da União, a Polícia Federal mantém potenciais refugiados de forma inadequada, por até meses, numa sala chamada de "conector".

    A área fica entre o desembarque e a imigração e é destinada a passageiros sem autorização de entrar no país.

    A Defensoria questiona a legalidade dessa prática e afirma que vai acionar o Ministério Público para investigar a situação.

    Em nota, a Polícia Federal afirma que segue a lei e não impede o ingresso no Brasil de estrangeiros que pedem refúgio.

    Mohan e Usman afirmam que ficaram sem comer nos primeiros dias e foram proibidos de usar o telefone e de se comunicar com outras pessoas no "conector".

    "A PF tem que se limitar a registrar a solicitação de refúgio, não deixar as pessoas retidas por até meses numa sala pequena com uns três sofás, alimentação precária, sem condições dignas de vida", diz Rodrigo Maiarotti, chefe da Defensoria Pública da União em Guarulhos.

    Davi Ribeiro/Folhapress
    Em busca de refúgio, engenheiro bengalês Usman*, 36, ficou cinco dias retido em área restrita do aeroporto de Guarulhos (Grande SP)
    Em busca de refúgio, engenheiro bengalês Usman*, 36, ficou cinco dias retido em área restrita do aeroporto de Guarulhos (Grande SP), chamada de "conector" junto com outros 30 estrangeiros

    Segundo os dois estrangeiros, outras 30 pessoas ficaram confinadas com eles, entre mulheres grávidas e crianças, que "se espremiam por um espaço para dormir".

    Conseguiram usar um iPad que Usman trouxe no forro da mala de mão (a bagagem foi confiscada) para pedir ajuda à Caritas Arquidiocesana de São Paulo, parceira da ONU na assistência ao refugiado.

    "Argumentei durante dias que queria pedir refúgio e não podia ser devolvido", diz Usman, que saiu de Bangladesh após ser perseguido por ser homossexual em um país com predomínio de muçulmanos.

    "Tentaram aplicar uma injeção de tranquilizantes para que a gente ficasse quieto, mas não deixei", afirma Mohan, que deixou Gana por questões religiosas após o pai ser assassinado. Ele diz ser "o próximo da lista".

    Segundo a Caritas, em alguns casos mais graves, potenciais refugiados foram devolvidos para seus países de origem o que é "sentenciar a pessoa a morte".

    "Uma moça da Eritreia foi devolvida e não se tem notícia dela", diz a advogada especialista em direitos humanos Larissa Leite, da Caritas. "Nesse país, quando a pessoa deserta do Exército [mulheres também são recrutadas], é sentenciada a prisão subterrânea ou mesmo à morte".

    Usman / Arquivo Pessoal
    Foto tirada pelo bengalês Usman, 36, da área restrita do aeroporto de Cumbica (Guarulhos) onde ficou retido com outras pessoas
    Foto tirada pelo bengalês Usman, 36, do "conector" do aeroporto de Cumbica (Guarulhos) onde ficou retido com outras pessoas. A área é destinada a passageiros sem autorização de entrar no país

    Segundo a instituição, de julho de 2012 a março deste ano, 42 potenciais refugiados retidos no "conector" conseguiram contatar a Caritas.

    Desses, 11 foram deportados, 16 registraram solicitação de refúgio e entraram no país e 4 ingressaram pois eram parentes de refugiados. Dos 11 restantes, não há informação se entraram no país ou se foram deportados.

    Os números podem ser bem maiores, pois nem todos os casos chegam até o conhecimento das instituições pelas dificuldades de comunicação dentro do "conector".

    "Tem que haver um olhar humanitário para identificar nessa área quem é um potencial refugiado e dar acesso ao pedido de refúgio", diz a advogada especialista em direito internacional Vivian Holzhacker, da Caritas.

    A Defensoria diz que muitos casos de pessoas retidas pela PF no "conector" estão relacionados a problemas de visto (como ocorreu no caso de Mohan e Usman) e passaporte.

    Mas, segundo a instituição, a lei sobre o tema diz que isso não impede que o estrangeiro registre a solicitação de refúgio, entre no país e aguarde a apreciação do pedido pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), ligado ao Ministério da Justiça. Mohan e Usman fizeram o pedido e aguardam resposta.

    A Gru Airport, que administra o aeroporto e fornece a estrutura do "conector", diz que uma nova sala foi entregue no Terminal 3, mas não forneceu detalhes sobre as acomodações.

    * A pedido da Caritas, os nomes foram trocados para evitar a localização em mecanismos de busca na internet no exterior. A entidade e os entrevistados autorizaram a publicação das fotos.

    Davi Ribeiro/Folhapress
    O mecânico ganês Mohan*, 27, passou 20 dias na área restrita da Polícia Federal até conseguir registrar seu pedido de refúgio
    O mecânico ganês Mohan*, 27, passou 20 dias na área restrita da Polícia Federal até conseguir registrar seu pedido de refúgio. Assim como Usman, ele aguarda a apreciação da sua solicitação pelo Conare

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