Um esquema de fraudes em licitações no Comando-Geral da Polícia Militar de São Paulo foi sustentado por uma rede de empresas de fachada ou com ligações entre si.
Como a Folha revelou nesta quinta (18), uma sindicância interna da PM confirmou fraudes estimadas em ao menos R$ 10 milhões em compras de itens diversos –de clipes a autopeças– e contratações de serviços, como obras e reparos, entre 2009 e 2010.
As suspeitas, por ora, recaem sobre o tenente-coronel José Afonso Adriano Filho, que admitiu parte do esquema e disse ter usado os recursos desviados para pagar contas da própria PM, jamais para enriquecimento ilícito.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB), esse oficial, que já está na reserva, pode perder a patente e todos os seus benefícios.
O esquema, durante as gestões tucanas de José Serra e Alberto Goldman, incluía a compra de produtos que não eram entregues, o fracionamento das licitações (para escapar da fiscalização externa) e a contratação de empresas derrotadas nos certames.
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FANTASMAS
A sindicância da PM, agora em poder do Ministério Público, não investigou as empresas envolvidas. A Folha visitou as supostas sedes de cinco delas, conforme os registros na Junta Comercial.
Três são residências, e os vizinhos nunca ouviram falar das firmas. Além disso, algumas já estiveram registradas no mesmo endereço de outras.
A Rogep Auto Peças, por exemplo, que recebeu R$ 1,7 milhão por peças que não foram entregues, já esteve registrada no mesmo endereço da Rali Comércio e Serviços, contratada com frequência para reparos no Comando-Geral.
Já a Construworld Materiais para Construção, que ganhou ao menos R$ 222 mil para pequenas obras e fornecimento de pisos de granito, está registrada numa casa na periferia da zona norte.
Antes, esteve registrada no mesmo endereço da Comercial das Províncias, na zona leste, firma contratada para a instalação de rede de dados.
Outra empresa sem sede é A Luta Comércio e Serviços de Equipamentos Eletrônicos –que, apesar do nome, também era contratada para pintar esquadrias de ferro e consertar a rede de esgoto. Fica numa casa em Osasco (Grande SP), onde a moradora afirmou desconhecê-la.
Conforme a documentação reunida pela sindicância da PM e obtida pela reportagem, as empresas recebiam os pagamentos antes mesmo de prestarem os serviços.
OUTRO LADO
O administrador da Rali Comércio e Serviços, Arquimedes Honda, disse que a empresa está ativa e presta serviços regularmente à polícia.
Ele afirmou que a sede da Rali teve endereço igual ao da Rogep Auto Peças –outra fornecedora da PM em contratos irregulares– porque, em 2013, adquiriu a firma do irmão do dono da Rogep.
Honda não soube dizer quanto pagou pela Rali nem se foram prestados serviços ao Comando-Geral da PM em 2009 e 2010, pois não estava na empresa na época.
O proprietário da Rogep, Rogério Torres, e o irmão dele, Sérgio Torres, ex-dono da Rali, não foram localizados.
Representantes da Construworld e A Luta Comércio e Serviços de Equipamentos Eletrônicos também não foram encontrados pela Folha nos endereços onde funcionariam suas sedes –nem em telefones atribuídos às empresas, em horário comercial.
A respeito das fraudes, a Secretaria da Segurança Pública afirmou, em nota, que a sindicância da PM concluiu pela "necessidade de responsabilização" do tenente-coronel José Afonso Adriano Filho por "improbidade administrativa e infrações penais".
"[A Secretaria da Segurança] determinou a instauração de Conselho de Justificação, com a finalidade de analisar a viabilidade de cassação do posto e da patente do tenente-coronel", diz a nota.
Adriano Filho negou ter feito tudo sozinho ou para proveito próprio.
"Não fiz nada sem ordem. Todas as melhorias executadas, não só no Quartel do Comando-Geral como em outras unidades, tinham ciência e autorização dos superiores. De todos os superiores", disse, sem citar nomes.
O ex-comandante-geral Álvaro Camilo disse desconhecer o esquema. "Não sabia que ele [Adriano Filho] estava envolvido nisso. É um absurdo. Ninguém da polícia dá uma ordem para alguém cometer alguma coisa errada."
O coronel Roberto Diniz, também ex-comandante-geral, não foi localizado.