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    Era uma vez: paulistanos que resistem ao tempo

    FELIPE SOUZA
    DE SÃO PAULO

    28/06/2015 02h00

    Medidas da prefeitura, mudanças de hábito e modismos transformam em raridade ícones do cotidiano de São Paulo.

    Confira abaixo alguns deles e conheça os paulistanos que resistem à passagem do tempo.

    A CRIADORA DO 'PISO PAULISTA'

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 22-06-2015, 17h05: Retrato da arquiteta Mirthes Bernardes, responsavel por projetar os desenhos padronizados das calcadas de Sao Paulo, com a bandeira do Estado em preto e branco, em 1966. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO*** ORG XMIT: EANI3367.CR2
    Mirthes Bernardes, que desenhou a calçada símbolo de SP

    Quando um paulistano pisa em ladrilhos pretos e brancos com o formato do Estado, está andando sobre uma obra da desenhista Mirthes Bernardes, 80.

    Ela fez em 1965 o desenho que ganhou o concurso municipal para padronização das calçadas da cidade naquele ano. "Eu achava que tinha coisas bem mais bonitas [entre as concorrentes], mas não acharam", diz, rindo.
    Sem que ela recebesse um centavo, seus traços foram parar em roupas, canecas e outros produtos -mas estão sumindo justamente do piso da cidade.

    No simbólico cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, no centro, diversos trechos vêm sendo substituídos por outras formas e cores.

    Perto dali, a avenida Amaral Gurgel teve ladrilhos trocados por concreto em 2012 "para melhorar a drenagem e aumentar a durabilidade", diz a gestão Fernando Haddad (PT). A via foi uma das primeiras a receber a calçada de Mirthes.

    A situação se repete em outros pavimentos na região central. Os comerciantes responsáveis pela manutenção das calçadas têm a opção de restaurar o calçamento ou não, pois elas não são tombadas. O município diz que, quando o "piso paulista" está em local público, ele é restaurado.

    Meio século após o concurso, Mirthes se diz desanimada com a falta de cuidado com os ladrilhos. "Vão passando por cima, vão tampando buracos ao invés de restaurar."

    Ela ainda briga na Justiça para receber por reproduções de seu desenho. Processa de banco a fabricante de chinelo. "Faz 50 anos que eu estou lutando. Não consegui nada, nem um alô. Eu acho que eu merecia", diz.

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    MÚSICA MULTADA

    Toni Pires/Folhapress
    Sao Paulo/SP 05.06.95 Foto: Toni Pires/Folha imagem - Entregador de gas,da Ultragas.
    Trinta segundos é o tempo máximo que o caminhão de gás pode tocar música

    Ver um carro de pamonha ou ouvir música de caminhão de gás é cada vez mais raro em SP. A gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) contribuiu para isso quando sancionou uma lei em 2006 que prevê multa para lojas ou veículos que façam propaganda nas ruas.

    Os caminhões de gás ainda podem tocar uma música, mas só 30 segundos, com intervalo de dois minutos, sob risco de multa de R$ 1.296. Esse foi um dos motivos para muitas distribuidoras aposentarem a música de Beethoven usada para anunciar o caminhão.

    O gerente comercial da Liquigás, Alfredo Cezar Raimundo, cita outro: a massificação da telefonia. "Antes, o caminhão passava uma vez por semana e avisava. Hoje, a pessoa liga e ele chega em 15 minutos."

    Segundo ele, a música era antes uma das preferidas das distribuidoras porque tinha licença de uso barata, além de já ser conhecida dos paulistanos como música de espera de telefone.

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    VÍTIMA DO SAPATÊNIS

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 25-06-2015, 16h46: Retrato do engraxate Flavio Guimaraes, 38. Ele trabalha na mesma regiao ha 20 anos e culpa os sapatenis pela queda no numero de clientes. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO*** ORG XMIT: EANI4747.CR2
    Flávio Guimarães, que trabalha nas mesma região há 20 anos

    "Esses sapatênis acabaram com a nossa profissão", diz o engraxate Flávio Guimarães. "Atrapalha muito porque algumas empresas passaram a aceitá-los como parte de um traje formal, e os jovens aproveitam."

    Guimarães, 38, exerce a profissão há 20 anos em um quiosque em frente à Bovespa, no centro. Ele viu muitos de seus colegas largarem a carreira por causa da escassez de clientes.

    O advogado José Zocarato Filho, 63, é um dos que resistiu e ainda usa o serviço. Morador de Ribeirão Preto (a 313 km de SP), ele sempre leva sapato para engraxar quando vai a SP. "Na minha cidade, os engraxates praticamente sumiram."

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    RESISTÊNCIA À MODA GOURMET

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 25-06-2015, 12h46: Retrato do vendedor de churrasco grego Paulo Pires dos Santos, 58. Ele vende o lanche no local ha mais de 30 anos. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO*** ORG XMIT: EANI4259.CR2
    Paulo Pires dos Santos, vendedor de churrasco grego há mais de 30 anos

    O vendedor de churrasco grego Paulo Pires dos Santos, 58, testemunhou vários de seus colegas de profissão sumirem da região da estação da Luz, no centro, ao longo dos anos.

    "Com essa moda gourmet, as pessoas só querem ir a shoppings", diz. Para ele, além do modismo, outro fator responsável pela queda nas vendas de 1.000 para cerca de 300 lanches diários foi a chegada do Bilhete Único. "Antes, o pessoal economizava conduções e me pagava com passes", relata.

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    O AFIADOR DE PERDIZES

    Danilo Verpa/Folhapress
    SAO PAULO - SP - 26.06.2014 - O amolador de facas Manoel que trabalha na feira livre da Rua Mato Grosso. (Danilo Verpa/Folhapress, COTIDIANO)
    Manoel Pedroso, amolador de facas, trabalha em feria livre na rua Mato Grosso, na região central de SP

    Nem o desenvolvimento industrial nem a modernização tiraram Manoel Antônio Pedroso das ruas de São Paulo. Aos 72 anos, o amolador de facas persiste na profissão, que também ensinou para o filho. "Ele aprendeu a amolar desde novinho quando me ajudava na feira. Hoje ele se formou, mas ainda trabalha comigo", diz.

    Para sobreviver por 55 anos em um ramo abandonado por vários de seus colegas de profissão, Pedroso não mediu esforços. Fez cursos no Senac, comprou uma Kombi e hoje leva seus equipamentos para as feiras de Perdizes (zona oeste) de caminhão.

    Mesmo com a modernização da produção e venda de talheres, ele afirma que ainda é possível ter sucesso na profissão. "As pessoas usam muito as facas no dia a dia. Se elas não afiarem, como vão fazer?"

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