Imagine sofrer há 15 ou 20 anos com uma doença viral grave ou ser familiar de alguém que passe por esse sofrimento. Daí você descobre que novos medicamentos podem representar, na prática, a cura dessa moléstia, mas o custo desse tratamento pode chegar a R$ 546 mil.
Se você é brasileiro pode contar, em tese, com o SUS (Sistema Único de Saúde) para financiar a compra desses medicamentos. Contudo, o que fazer se até mesmo essa ajuda parece demorar demais? Para um grupo de pacientes com hepatite C e seus familiares a ideia foi aderir a um grupo pela internet e exigir que o custeio desse tratamento aconteça o mais rápido possível.
O "Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite" e o portal "Hepato", que reúnem mais de 40 mil curtidores em todo o Brasil, questionam porque os medicamentos simeprevir, sofosbuvir e daclatasvir ainda não estão sendo distribuídos para os pacientes infectados com o vírus, mais de três meses após a aprovação de seu uso.
Em junho, a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) aprovou a incorporação dos três remédios que, segundo o Ministério da Saúde, tem seis meses como prazo máximo legal para serem distribuídos na rede pública de saúde.
Mas apesar de não poder se falar ainda em atraso, para quem vê a própria vida ou a de um parente ameaçada de ser interrompida a qualquer momento, esperar mais três meses é uma hipótese considerada "absurda".
"Você saber que tem um medicamento que pode curar uma pessoa da sua família e não ter acesso é uma coisa absurda", protesta Valéria Corrêa Mello. A mãe dela, a dona Arlete Talarico Corrêa Mello, 79, sofre com a enfermidade há quase 13 anos.
"Ela já passou ao estágio de início de cirrose e no relatório médico dela diz que o risco de aparecer um câncer, a qualquer momento, é muito alto. Aí, esses remédios não vão fazer efeito nenhum", conta.
"Como minha mãe já é reincidente no tratamento, os remédios que ela precisa custam R$ 546 mil. Quantas pessoas no Brasil podem pagar? A maior parte dos pacientes precisa por menos semanas, 12 em média. A minha mãe precisa por 24 semanas. Só o simeprevir custa R$ 210 mil", relata.
23 ANOS DE LUTA
O senhor Osvaldo Jorge Simões Buschi está há ainda mais tempo lutando contra a hepatite C e deposita todas as suas esperanças de cura nos três novos medicamentos. São mais precisamente 23 anos enfrentando a doença.
"Eu sou portador do genótipo 1a, de hepatite C. E a hepatite C tem vários genótipos de vírus", explica com a autoridade de quem conhece bem o inimigo microscópico.
"O primeiro tratamento que eu fiz foi convencional, com interferon e ribavarina. Eram três aplicações semanais. Depois do convencional, veio o outro tratamento, que eu fui submetido por dois anos. Porém, essas medicações em si são paliativas. Tratam a causa, não procedem a cura. Essa, é a grande diferença. Os novos medicamentos curam e deixam o vírus indetectável", relata.
Ele deseja que os medicamentos sejam distribuídos o mais rapidamente possível. "O ministro Arthur Chioro prometeu. Fez um contrato com os laboratórios internacionais para providenciar os remédios via oral", cobra.
DE PACIENTE A ATIVISTA
A luta contra a hepatite C, para Carlos Varaldo, foi muito além da busca pelo que muitos julgavam uma improvável cura, após ele receber a previsão de que teria apenas seis meses de vida.
Não aceitando o prognóstico negativo, ele buscou os tratamentos mais inovadores e eficazes disponíveis na década de 1990. Acabou chegando à combinação entre interferon e ribavarina, tratamento que é padrão hoje.
"Eu me tratei durante 21 meses. Tomando três injeções por semana e quatro pílulas por dia. No vigésimo mês, ainda estava positivo, mas acabei o tratamento e seis meses depois estava negativado [sem vírus detectáveis no organismo] e continuo assim até hoje", comemora.
"Tempos depois, uma amiga minha descobriu que tinha hepatite C. Mas ela não tinha como se tratar. Não tinha tratamento gratuito. Não tinha consenso em protocolo de tratamento no mundo. Então, surgiu a ideia de formar um grupo para conseguir que o governo desse atenção à hepatite. Na primeira reunião tínhamos 3 mil pessoas. Hoje temos 32.500 associados", relata Varaldo, que hoje é presidente do "Grupo Otimismo".
Sobre os novos medicamentos, Varaldo expressa ao mesmo tempo satisfação e preocupação. Embora elogie como sendo inovadora a forma como o Ministério da Saúde negociou a compra desses produtos, ele critica a demora para que o tratamento efetivamente chegue à rede pública de saúde.
"Qual o problema neste momento? No final de julho, foram assinados os contratos. Um medicamento, o daclatasvir, foi pago e já foi entregue. Está em Brasília. Os outros dois medicamentos, o sofosbuvir e simeprevir foram assinados os contratos. Em agosto, eles foram publicados no Diário Oficial, mas entrou a crise, entrou o [ministro Joaquim] Levy e se suspendeu o pagamento", critica.
"O pagamento tem que sair. Esse dinheiro está empenhado. Mas até hoje está tudo parado e esse é o grande medo. Com a mudança do ministro não sabemos o que vem por aí", questiona.
O DAF (Departamento de Assistência Farmacêutica), ligado ao Ministério da Saúde, teria acenado com a possibilidade de colocar os três novos medicamentos à disposição, a partir da 2ª quinzena de outubro, segundo Varaldo.
OUTRO LADO
De acordo com o Ministério da Saúde não se pode falar em atraso no caso da distribuição dos medicamentos daclatasvir, simeprevir e sofosbuvir, apesar de justificada a ansiedade dos pacientes e familiares.
"O Ministério da Saúde reforça que os três novos medicamentos (daclatasvir, simeprevir e sofosbuvir) para tratamento de hepatite C estarão disponíveis na rede pública de saúde até dezembro, conforme anunciado pela pasta em julho deste ano. Cabe informar ainda que, como esses produtos foram incorporados no SUS em julho deste ano, a oferta está dentro do prazo previsto", explica nota do ministério.
Ainda segundo a pasta, "inicialmente, os medicamentos devem atender a cerca de 30 mil pacientes com dificuldades de cura com o tratamento já disponível. Entre eles estão pacientes em retratamento, com HIV, cirrose descompensada e que passaram por transplante".
O comunicado exalta também o fato de que "o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a incorporar a nova terapia, que trará um avanço importante na assistência dos pacientes com hepatite C, aumentando as chances de cura em mais de 90% e diminuindo o tempo de tratamento".
A compra dos três novos medicamentos, segundo o ministério, envolve R$ 500 milhões em investimentos. Por fim, a nota do órgão federal cita os medicamentos já disponíveis no SUS para tratar a doença. São eles:
- Alfainterferona 2b 3.000MUI
- Alfainterferona 2b 5.000MUI
- Alfapeginterferona 1A de 180 mcg
- Alfapeginterferona 1B de 80, 100 e 120 mcg
- Ribavirina 250mg
- Boceprevir 200mg
- Telaprevir 375mg
- Filgrastim 300 mcg