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    Tremi ao ouvir choro, diz zelador que achou bebê em sacola em Higienópolis

    FERNANDA MENA
    DE SÃO PAULO

    06/10/2015 02h00

    Marlene Bergamo/ Folhapress
    Francisco de Assis Marinho, zelador de um prédio em Higienópolis (região central de SP), que encontrou um bebê dentro de uma sacola na calçada
    Francisco de Assis Marinho, zelador de um prédio em Higienópolis (região central de SP), que encontrou um bebê dentro de uma sacola na calçada

    "Parece que eu estou vendo toda a cena de novo", diz Francisco de Assis Marinho, 37, exibindo as mãos trêmulas, ao relatar à Folha o improvável encontro que teve no domingo (4) à noite.

    O paraibano devoto de Nossa Senhora Aparecida havia perdido sua tradicional missa matinal por causa de um imprevisto na zeladoria do edifício onde trabalha, na rua Piauí, em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo.

    Telefonou para a paróquia, se informou sobre os horários seguintes e elegeu a celebração das 19h30 para poder assistir ao jogo do seu time, o Corinthians, às 16h. Foi uma coincidência oportuna.

    Na saída, poucos metros adiante, viu uma sacola branca de papelão ao pé de uma árvore. "Sei que domingo não é dia de coleta de lixo. Fiquei curioso", diz. "Peguei a sacola assim [mostra com a mão esquerda] e senti o peso. Pensei que fosse roupa e larguei. Quando a sacola bateu no chão, ouvi um choro de criança. Comecei a tremer."

    Marinho ligou para o 190 e disse ter achado um bebê dentro de uma sacola. "A moça da polícia perguntou como o neném estava. Eu disse: chorando. Aí ela me orientou a tirá-lo da sacola", lembra.

    A bolsa trazia grafadas as palavras "Au Pied de Cochon" [ao pé do porco, em francês], nome de um tradicional restaurante de Paris com filial na Cidade do México.

    "Rasguei o papelão branco, vi a bebê dentro de outra sacola, de pano, e peguei ela no colo assim [agacha-se no chão]. Ela parou de chorar na hora. E logo começou a golfar. Acho que tinha mamado fazia pouco tempo."

    O zelador avistou, do outro lado da rua, um médico, morador do edifício em que trabalha, e pediu ajuda. Conseguiu um cobertor para enrolar a recém-nascida, que vestia um macacão cor-de-rosa.

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    ESPERANÇA

    "Só pensava em cuidar dela, em pegar pra criar. Em poucos minutos a gente já desenvolve um afeto, um amor", diz ele, casado e pai de uma menina de cinco anos. "Na hora, pensei até em nome: Esperança."

    Marinho e dois policiais militares levaram a pequena para a Santa Casa de Misericórdia, onde posaram para retratos com a neném, que segue sendo cuidada ali.

    Na ala pediátrica, ela foi limpa, alimentada e examinada. Segundo médicos, a bebê é saudável e perfeita e tem entre 24 e 72 horas de vida.

    Mesmo depois da missão cumprida, Marinho não conseguiu descansar. "Não consegui dormir a noite toda, pensando no que poderia ter acontecido com ela", diz.

    "Domingo é dia parado, e morador dessa região não tem curiosidade de olhar ou mexer em sacola que está na rua. Ela poderia até chorar, mas gente em apartamento não pensaria que o choro era de um bebê sozinho na rua."

    Foi quando percebeu outra coincidência curiosa: domingo foi dia de são Francisco de Assis, santo que lhe emprestou o nome. "Só pode ter sido destino mesmo eu salvar aquela vida tão frágil. Se fossem dar ela a alguém, queria ser o primeiro da fila."

    Divulgação/PM
    Polícia encontra bebê recém-nascido dentro de sacola em Higienópolis, na região central de São Paulo
    Polícia acolhe bebê recém-nascido dentro de sacola em Higienópolis, no centro de São Paulo

    PARTO NÃO HOSPITALAR

    Imagens de câmeras de segurança coletadas pela investigação mostram uma mulher atravessando a rua da praça Vilaboim para a rua Piauí, levando uma sacola no braço, carregada como um bebê.

    Ela passa diante da árvore, vacila, retorna e deposita a bolsa no chão às 19h20, seguindo a pé pela rua.

    Dez minutos depois, às 19h30, chega Marinho, já atrasado para a missa.

    Os investigadores haviam requisitado informações sobre as parturientes dos últimos três dias para as maternidades de SP quando os médicos da Santa Casa deram uma informação que mudou os rumos da apuração.

    Eles diagnosticaram que, pela maneira como o cordão umbilical da bebê foi cortado e amarrado, seu parto não foi realizado em um hospital.

    "Isso complica muito a investigação porque, agora, ficamos presos à identificação da mãe por meio da veiculação das imagens das câmeras de segurança", explica o delegado Eduardo Luis Ferreira. "Mas há sempre alguém que reconhece a pessoa."

    Segundo ele, a mulher que aparece no vídeo cometeu abandono de incapaz, crime com pena de seis meses a três anos de prisão. "A motivação é subjetiva, mas geralmente se trata de uma combinação de fatores sociais, como a falta de condições financeiras, morais ou familiares, com um fator emocional associado ao estado puerperal, como uma depressão pós-parto", diz.

    Na delegacia para depor, Marinho afirma que "vem aquela angústia" toda vez que fala da bebê. "As lágrimas sobem a todo momento, mas, como sempre tem gente por perto, elas não caem."

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