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    mosquito aedes aegypti

    Conheça a guerra que acabou com o Aedes no Brasil em 1955

    EDUARDO GERAQUE
    DE SÃO PAULO

    20/12/2015 02h00

    O fim de uma guerra. No dia 2 de abril de 1955, os agentes de saúde destruíram o último foco de Aedes aegypti no Brasil, na zona rural de Santa Terezinha, interior da Bahia.

    O anúncio oficial da erradicação do mosquito, sob aplausos internacionais, ocorreu em 1958, na Conferência Sanitária Panamericana, em Porto Rico.

    O Brasil, então com 59 milhões de habitantes, estava desde os anos 1920 assustado com a febre amarela, transmitida pelo Aedes, o mesmo mosquito que hoje espalha zika, dengue e chikungunya.

    A doença foi mantida sob controle por alguns anos, mas, a partir de 1927, surtos começaram a aparecer no Nordeste. Um ano depois, chegou ao Rio, então capital federal.

    Quando isso aconteceu, o governo brasileiro decidiu assinar um contrato de cooperação com a fundação americana Rockefeller para importar tecnologia de erradicação da febre amarela.

    O acordo não foi selado sem polêmicas. Os sanitaristas brasileiros, adeptos da escola iniciada na virada do século por Oswaldo Cruz, apostavam pesado na técnica do fumacê, em que o inseticida é borrifado nas ruas mais infestadas pela doença.

    Já os pesquisadores da Fundação Rockefeller defendiam que, para exterminar os mosquitos, seria preciso um ataque minucioso às larvas, inclusive nas pequenas cidades do interior nordestino.

    "Os especialistas norte-americanos consideravam que, com exceção dos surtos epidêmicos da doença, as fumigações não tinham nenhum valor prático", afirma o historiador Rodrigo Cesar Magalhães, autor de tese de doutorado sobre o tema que deve virar livro em 2016.

    A "guerra ao mosquito" virou nome de música e de peça de teatro em 1929. Travada praticamente quintal por quintal em cidades pequenas de todo o país, não foi mera figura de linguagem, segundo os historiadores.

    "O trabalho era minucioso, cronometrado e rigidamente hierarquizado", diz Magalhães, com base em pesquisas na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

    Um exército de agentes foi recrutado para fazer mapas das áreas infestadas pela febre amarela, quarteirão por quarteirão. Os "soldados" da guerra ao mosquito também faziam visitas de porta em porta, com metas diárias de imóveis inspecionados. Mesmo as casas vazias não podiam ficar incólumes.

    Uniformizados com túnicas cáqui, os agentes passavam óleo dentro dos vasos de barro que guardavam água e borrifavam nas paredes o hoje proibido inseticida DDT.

    Editoria de arte/Folhapress
    Clique e veja especial sobre o mosquito _Aedes aegypti_
    Clique e veja especial sobre o mosquito Aedes aegypti

    Peixes que comem ovos do mosquito eram criados nos reservatórios para impedir a reprodução do Aedes.

    "Não importava como a gente viajava: a pé, a cavalo, de automóvel, de barco, a nado ou de avião; a ordem era ir", contou em depoimento à Fiocruz o médico José Fonseca da Cunha. "O trabalho ruim era para todos. Não havia amigos do diretor. Nós ganhávamos muito bem! Tínhamos que ter três coisas: saúde, disposição e honestidade."

    No final dos anos 1930, a doença e o mosquito estavam sob controle nas áreas urbanas de quase todo o país, com exceção do Nordeste. Mas surtos voltaram a acontecer em Pernambuco no começo da década de 1940.

    Pouco antes, a Fundação Rockefeller havia desenvolvido a vacina contra a febre amarela, incorporada ao trabalho de combate à doença.

    Em 1955, os esforços dão resultado, e os focos do mosquito são totalmente exterminados do país.

    No total, de 1931 até aquele ano, 4,7 milhões de imóveis foram visitados pelos "soldados", em 269 mil localidades. Em 36 mil das áreas visitadas, o Aedes foi localizado.

    Entre 1967 e 1973, o mosquito apareceu novamente no Brasil, desta vez na região Norte, e foi eliminado. No final dos anos 1970, porém, voltou e nunca mais saiu.

    Hoje, não transmite mais febre amarela –a variedade da doença atualmente no país é silvestre e disseminada por outro mosquito.

    Segundo o historiador Magalhães, o retorno do Aedes ao Brasil se deveu ao mesmo país que ajudou no combate à praga: os Estados Unidos.

    Para ele, a falta de ação política e de esforço coordenado dos Estados americanos –que se organizam de forma independente–fez com que a guerra ao mosquito falhasse no país. Com isso, o Aedes voltou a circular nas Américas e chegou ao Brasil.

    "Perdemos uma oportunidade histórica e sentimos as consequências até hoje", afirma Magalhães.

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