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    Crise da água

    Cantareira sai do volume morto após 535 dias e ganha fôlego para 2016

    FABRÍCIO LOBEL
    DE SÃO PAULO

    30/12/2015 09h08 - Atualizado às 09h28

    Depois de 18 meses, algumas chuvas e muitas torneiras secas em São Paulo, o sistema Cantareira deixou de depender nesta quarta-feira (30) da água do fundo das represas para abastecer parte dos moradores da Grande São Paulo.

    O maior conjunto de represas de São Paulo atingiu 22,6% de sua capacidade e, na prática, não opera mais com água do chamado volume morto, situação na qual estava desde julho de 2014. O volume morto é uma extensa porção de água que fica abaixo dos túneis de captação da Sabesp nas represas do Cantareira e somente é retirada com a ajuda de bombas especiais.

    O Cantareira tem capacidade para 1,3 trilhão de litros de água, sendo que 288 bilhões (cerca de 23%) estão abaixo das tubulações fixas de captação, ou seja, nesse tal volume morto –chamado pelo governo de "reserva técnica".

    Para o governo do Estado, a recuperação do volume morto marca uma virada na condição climática que castigou o Estado de São Paulo. Já para ambientalistas, a atual crise hídrica ainda é apenas um prenúncio de tempos com clima ainda mais extremo.

    De qualquer forma, a volta das chuvas e a retomada do uso dos dutos fixos de captação, porém, não trazem um alívio automático, já que o racionamento deve seguir duro em diferentes pontos da região metropolitana para que uma poupança de água possa ser acumulada para enfrentar o próximo período seco, de abril a setembro.

    Sistema Cantareira deixa o volume morto

    HISTÓRICO

    Diante maior seca das últimas décadas sobre o Cantareira, a estratégia adotada pela gestão Geraldo Alckmin (PSDB) e pela Sabesp, estatal paulista de saneamento, foi captar emergencialmente uma porção de água que nunca havia sido captada.

    No início de 2014, a Sabesp nem ao menos sabia como iria captar essa água. Depois de alguns projetos, técnicos da empresa decidiram montar um conjunto de bombas flutuantes no meio da represa para jogar a água para dentro dos antigos túneis da empresa. Uma empresa de Santa Catarina, tinha um conjunto de bombas de irrigação à pronta entrega, o que adiantou o projeto.

    A ideia inicial foi lançar as bombas, represa a dentro, a uma distância que pudesse alcançar a água capaz de abastecer parte de São Paulo até outubro daquele ano. O mês marca o início do período chuvoso e a empresa e o governo do Estado achavam que depois desse mês, a chuva iria fazer com que o reservatório voltasse a seu volume útil.

    Mas as chuvas não vieram e o governo Estadual e a Sabesp tiveram que lançar um segundo conjunto de bombas para captar a água cada vez mais no fundo da represa, o chamado "segundo volume morto".

    No início da operação, especialistas criticaram a exploração do volume morto, dizendo que a medida iria drenar quase toda a água do Cantareira, retardando cada vez mais a sua recuperação.

    De qualquer, forma, caso o volume morto não fosse explorado, cerca de 8 milhões de pessoas ficariam sem água em São Paulo. A maioria delas na zona norte da cidade. Essa era a população no início de 2014 que tinham como única alternativa de abastecimento a água vinda do Cantareira.

    Por isso, além de usar o volume morto, a Sabesp precisava reduzir a população abastecida diariamente pelo Cantareira. Ao longo dos meses seguintes, as tubulações de água sob a cidade de São Paulo passaram a ser mais conectadas e foi possível fazer com que bairros que antes eram abastecidos apenas pelo Cantareira, pudessem também ter água fornecida de outras represas como o Guarapiranga e o Alto Tietê, por exemplo.

    Assim, a população atendida pelo Cantareira passou de 8 para 5 milhões.

    Mesmo com duas cotas do volume morto e atendendo menos pessoas, o Cantareira continuou caindo ao longo de 2014.

    arte

    Nessa época, a gestão já tinha adotava a política de diminuir a força com que enviava a água pelos canos da cidade. O objetivo dessa manobra é diminuir a água perdida nos inúmeros vazamentos na rede da Sabesp (estima-se que 19% da água tratada da Sabesp se perca por essas falhas).

    O problema da manobra é que, sem força, a água não chega às casas de bairros mais altos ou distantes da cidade. O efeito colateral é fazer com que milhares de pessoas fiquem sem água durante horas praticamente todos os dias nos últimos dois anos. Esse fenômeno foi se tornando cada vez mais forte e sentido principalmente entre os mais pobres.

    O ano era de campanha eleitoral, em que Alckmin se elegeu no primeiro turno ao cargo de governador, alegando que não existia e nem existiria falta de água em São Paulo.

    Após a eleição, já no final de 2014, a Sabesp e a gestão Alckmin decidiram instaurar uma política que punisse moradores da Grande São Paulo que aumentasse o consumo de água, medida considerada impopular.

    O programa de incentivo financeiro e o menor fornecimento de água para São Paulo fizeram com que o consumo de água na Grande São Paulo caísse de 71 mil litros de água por segundo para 54 mil litros de água por segundo.

    Essas medidas aliada a uma recente melhora do regime de chuva sobre o Cantareira foram responsáveis para que o reservatório finalmente saísse do seu volume morto e atingisse nessa quarta-feira o índice zero de sua antiga capacidade.

    É possível, no entanto, que em 2016, a Sabesp tenha que voltar a recorrer a essa porção de água. Tudo depende da atual estação chuvosa. Se ela for boa, servirá para manter uma reserva hídrica para que São Paulo passe pelo próximo inverno (que é a temporada seca no Sudeste brasileiro). Caso a temporada de chuvas não seja boa, essa reserva se perderá em meados de 2016, o reservatório poderá retornar ao volume morto e São Paulo enfrentará mais um ano de restrições e crise hídrica.

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