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    Grupo mantém antigo dependente longe de apostas há 14 anos

    PAULO GOMES
    DE SÃO PAULO

    28/02/2016 02h00

    Marcus Leoni/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 25.02.16 15h30 Especial sobre a possibilidade de legalização dos jogos de azar no Brasil. Nas fotos, viciado em jogos em tratamento terapêutico. Associação Jogadores anônimos. (Foto: Marcus Leoni / Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
    Juarez (nome fictício), ex-viciado em jogos, na sede do Jogadores Anônimos

    Aos 11 anos, Juarez (nome fictício), hoje com 62, já gostava de jogo. O então menino fazia bico para uma padaria no interior, vendendo pães na rua, e tinha direito a 30% da renda obtida. O dinheiro ganho era gasto em rodadas de bingo nas casas de parentes.

    Com o tempo, passou a gastar mais do que a porcentagem acertada e inventou desculpas para não honrar a dívida com o padeiro, até ter que abandonar o serviço.

    Já adulto, na capital, o vício se agravou. "Cheguei a passar 30 horas jogando baralho, saía para jogar em horário de serviço", conta.

    Em paralelo com as drogas, Juarez diz ter "experimentado" de tudo. "Jogo do bicho, Mega-Sena. Mas o que me tirou do controle foram as máquinas", que, segundo ele, são o "estágio mais avançado". "Você coloca o dinheiro e tem a resposta rápida. É o crack do jogador."

    Ele diz ter passado 48 horas ininterruptas dentro de um bingo. "Cheguei ao ponto de receber o salário à tarde e à noite já ter perdido todo o dinheiro. Depois vendi o carro numa semana e na seguinte já tinha gasto tudo."

    Sem dinheiro para pagar os estudos da filha, liquidou a poupança, fez empréstimos em diversos bancos e chegou a ter oito cartões de crédito. Passou a trabalhar horas extras para aumentar o salário, mas já estava num ponto em que a maior parte da renda mensal era retida pelo banco. Foi quando percebeu que precisava de ajuda.

    "Quando cheguei nos Jogadores Anônimos me deparei com gente que esteve na mesma situação que eu e conseguiu sair." Desde então, Juarez frequenta o grupo de três a quatro vezes por semana, em reuniões de duas horas. O hábito já dura mais de 14 anos, todos eles sem jogar.

    No entanto, não se considera livre do vício. "O jogo compulsivo é uma doença incurável." Ele conta que, no Carnaval, entrou em um bar com amigos e notou que em uma mesa havia um grupo de pessoas jogando cartas. "Meus olhos ficaram voltados para lá. Percebi o quanto a doença retida se manifesta".

    Para ele, a rotina de reuniões nos grupos de apoio é o que o mantém longe da tentação. "Esse programa me dá condições de viver com o estrago que isso fez. Parar de jogar é o mínimo, o difícil é conviver com o desconforto que o jogo causou na nossa vida."

    LEGALIZAÇÃO

    Para o psiquiatra Hermano Tavares, do Hospital das Clínicas, a liberação dos bingos em 1993 gerou um crescimento súbito de viciados. "Antes disso, atender a um jogador era caso de curiosidade." O aumento expressivo de pessoas à procura de tratamento levou à criação, em 1997, do Programa Ambulatorial do Jogo (Pro-amjo).

    Uma das propostas do programa, que é coordenado por Tavares no hospital, é reabilitar os pacientes melhorando a qualidade de vida, substituindo hábitos nocivos por atividades físicas e resgate das relações sociais.

    Para o psiquiatra, a ampliação da legalização do jogo no Brasil, com uma eventual volta dos bingos –proibidos desde 2004– teria de ser acompanhada por campanhas de prevenção ao vício e investimento em treinamento e tratamento médico.

    O Jogadores Anônimos não se posiciona. "Nosso trabalho é com quem quer abandonar a compulsão, seja o jogo legal ou não", diz Juarez, representando o grupo.

    Quem procura ajuda pode entrar em contato com o Jogadores Anônimos pelo site jogadoresanonimos.com.br, e com o Pro-amjo pelo telefone 0/XX/11/2661-7805.

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