Uma das ações prioritárias do novo ministro da Saúde, Ricardo Barros, será selar a reaproximação das entidades médicas com o governo federal, após um rompimento de quase três anos. O racha ocorreu em reação à criação do programa Mais Médicos.
Amigo do presidente interino Michel Temer (PMDB), o cardiologista Roberto Kalil, também médico da presidente afastada Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula, tem sido o articulador de encontros e conversas entre Barros e lideranças da área. "Tive uma ótima impressão dele. Não tem experiência em saúde, mas tem em gestão. E está disposto a governar junto de profissionais da saúde e das universidades", afirma Kalil.
Barros, formado em engenharia civil, foi o relator do Orçamento de 2016 na Câmara e chegou a propor um corte de R$ 10 bilhões no Bolsa Família –não foi aprovado. João Gabbardo dos Reis, presidente do Conass (Conselho Nacionais de Secretários da Saúde), também se diz otimista em relação às primeiras propostas de Barros, como o aperfeiçoamento dos sistemas de informação do SUS.
"Há hoje muito desperdício, como exames repetidos. O dinheiro, que já é pouco, é mal gasto", explica. Embora não tenha sido mencionado na fala de Barros, um ponto de muitas críticas entre os estudiosos do SUS é a proposta do PMDB, no documento "Uma Ponte para o Futuro", de acabar com as vinculações constitucionais para os gastos com saúde e educação.
Hoje, a Constituição estabelece que o governo federal precisa aplicar na saúde, no mínimo, o valor do orçamento do ano anterior mais a variação do PIB. Já os governos municipais e estaduais devem aplicar 15% e 12% da receita, respectivamente.
"A equação não fecha. Não podemos mais mexer nos recursos já insuficientes da saúde e, ao mesmo tempo, oferecer tudo para todos, como manda a Constituição."
Para Rosa Marques, professora de economia da PUC-SP e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde, a alocação dos recursos em saúde não pode ser pautada pelo ritmo do crescimento econômico. "Esses recursos são pautados pela necessidade da população. Eles não podem oscilar, porque é preciso ter continuidade nas políticas públicas."
CRISE
Para Ligia Bahia, professora de Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o atual cenário da saúde brasileira não poderia ser pior. "Não se pode tratar uma área tão prioritária com descontinuidade administrativa e com destruição do estado de proteção social", afirma.
Na opinião de David Uip, secretário da Saúde do Estado de São Paulo, a saúde tem problemas que precisam de respostas imediatas. A falta de verbas é a questão central. Neste ano, haverá redução de R$ 5,5 bilhões no orçamento do Ministério da Saúde, previsto inicialmente em R$ 118,5 bilhões.
"O repasse dos procedimentos de alta e média complexidade já é insuficiente. Se piorar, inviabiliza o sistema." A gestão anterior do Ministério da Saúde havia informado que os recursos para o Samu e para o programa Aqui Tem Farmácia Popular acabariam em agosto e que haveria cortes em cirurgias eletivas e internações.
Unidades de saúde estão sendo fechadas em todo o Brasil. Hospitais de referência, como o Hospital das Clínicas, estão restringindo atendimentos ambulatoriais. Funcionários públicos da saúde estão com salários atrasados ou parcelados.
"Temos epidemias de inverno [H1N1 ] e de verão [zika e dengue ] ao mesmo tempo. Está faltando vacina em vários Estados, penicilina para grávidas com sífilis no SUS. Não víamos isso desde a década de 70", diz Ligia Bahia.