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    Sem lar, criança morta em perseguição da polícia já dormiu até em van

    LEANDRO MACHADO
    DE SÃO PAULO
    MARIANA ZYLBERKAN
    DO "AGORA"

    04/06/2016 02h00

    Na sala de espera do IML, a diarista Cíntia Francelino, 29, com os lábios tremendo e as mãos apertando a barriga, pergunta para a reportagem da Folha: "Moço, se eu correr atrás, você acha que consigo colocar esse policial que matou meu filho na cadeia?".

    Cíntia esperou pelo menos quatro horas no IML porque queria vestir pela última vez seu filho Italo, 10, morto durante perseguição policial no Morumbi (zona oeste). Levou as roupas numa bolsa rosa.

    O garoto nunca teve uma casa fixa, pois Cíntia ficou presa por alguns anos –cumprindo pena por roubo e furto. Ele morou embaixo de pontes e viadutos, em abrigos, em casas de parentes e até mesmo em uma van abandonada. Nos últimos meses tinha voltado para junto da mãe, num barraco na favela do Piolho, no Campo Belo (zona sul). Mesmo assim, ainda passava dias vivendo na rua.

    Para arrumar dinheiro, Italo às vezes engraxava sapatos no aeroporto de Congonhas. "Ele tinha até uma caixinha", conta uma tia. Ou furtava. Só neste ano, a polícia registrou três desses delitos -em nenhum ele utilizou armas. O primeiro flagrante de furto ocorreu no dia 31 de janeiro, quando Italo e seu amigo tentavam furtar bicicletas no parque Ibirapuera.

    Depois, houve outro em abril, ao entrar num hotel próximo de Congonhas para furtar objetos, e, pela última vez, no sábado passado, quando danificaram um carro e entraram em dois apartamentos de um condomínio no Sacomã.

    "Ele não tinha arma, ele não sabia atirar. Quem no mundo daria uma arma para um menino de dez anos?", diz Cíntia. Por causa de um dos furtos, o menino foi para um abrigo, de onde fugiu. Foi outras duas vezes. Em uma delas porque foi encontrado por conselheiros tutelares sozinho em casa. Na época, os pais estavam presos. Em todas as ocasiões, ele fugiu. "Ele estava muito rebelde e sumia de casa toda hora", diz a prima Bianca de Jesus, 19.

    UM CORRE

    "Ele estava levadinho mesmo, mas que criança não é?", argumenta Cíntia. O pai de Italo, Fernando de Jesus, está preso -condenado por 18 anos por tráfico de drogas e roubo. Na quarta-feira (1), Italo havia recebido uma carta do pai que dizia que os dois iriam se ver em breve.

    Segundo Cintia, em uma das vezes em que ficou no abrigo, em Interlagos (zona sul), Italo conheceu o garoto de 11 anos com quem estava na noite de quinta (2). "Ele gostava muito de carro, tinha vários carrinhos em casa. Acho que os policiais ficaram com raiva porque ele fugiu", afirma a diarista.

    Na última vez que foi visto na favela do Piolho, Italo disse a uma prima que ia "fazer um corre" no bairro do Ibirapuera. "Ele estava arrumado e disse que ia 'fazer um corre'. Eu ainda perguntei o que ia fazer, mas ele não respondeu. Só disse para ele tomar jeito", disse essa prima, que não quis se identificar.

    CAMBALEANTE

    Estudante do segundo ano do ensino fundamental na escola estadual Mário de Andrade, no Brooklin, o garoto sonhava em ser cantor, como o pai foi na juventude. Adorava funk e queria ser chamado de "MC Italo". Os moradores da favela do Piolho se acostumaram a ver o garoto descalço, sujo e com fome. Ele e a família enfrentaram dois incêndios que destruíram parte da comunidade nos últimos anos.

    Italo também era conhecido dos seguranças do supermercado Extra, a um quarteirão da favela, onde costumava ir para furtar brinquedos, chinelos, roupas e para pedir lanches no McDonald's que funciona no térreo. "Uma vez ele jogou pedra na vidraça porque os seguranças o arrastaram para fora", diz um funcionário.

    Os furtos no supermercado eram praticados com outras crianças, entre elas o garoto de 11 anos que participou da ação com fim trágico. Uma vez, furtaram um helicóptero de controle remoto. Enquanto aguardava ser chamada para vestir o filho, Cintia -mãe de outras três crianças- estava indignada com o que aconteceu. "Meu filho nunca iria atirar em ninguém. Ele queria só atenção. Será que esse policial não tem filho, não?", dizia.

    Um funcionário do IML a chamou. Ela finalmente pôde entrar para ver e vestir o filho na sala de necropsia. Ficou pouco. Saiu cambaleante, os lábios tremendo e as mãos novamente apertando a barriga. "Me ajuda, moço", disse, e caiu no chão.

    PERSEGUIÇÃO E MORTE

    O QUE DIZ A LEI
    Menores de 12 anos não podem ser apreendidos, sendo aplicadas apenas medidas protetivas -no caso, o menino foi entregue aos responsáveis

    OUTRAS OCORRÊNCIAS

    31.jan.2016
    Os dois foram pegos tentando furtar bicicletas no parque Ibirapuera. Guardas municipais foram encarregados de levá-los a um abrigo

    22.abr. 2016
    Eles reviraram quartos vazios em um hotel na zona sul de SP e roubaram dinheiro e outros objetos. Foram flagrados por um hóspede e levados pelo Conselho Tutelar

    28.mai.2016
    Em um condomínio também na zona sul, danificaram um carro e entraram em dois apartamentos. Foram novamente levados pelo Conselho Tutelar

    PRISÕES DOS PAIS

    Cintia Ferreira Francelino (mãe do menino morto)
    > nov.2006: tentativa de furto
    > out.2007: tentativa de furto
    > dez.2007: roubo
    > set.2011: furto
    > dez.2014: capturada
    > dez.2015: capturada

    Fernando Siqueira (pai do menino morto)
    > ago.2009: tráfico de entorpecente
    > jan.2013: tráfico de entorpecente e corrupção ativa

    Mãe do sobrevivente
    > Não tem nenhum registro

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