• Cotidiano

    Monday, 04-Nov-2024 22:10:11 -03

    Engenheiros e professores imigrantes estão entre varredores das ruas de SP

    FABIO PAGOTTO
    DO "AGORA"

    25/06/2016 02h00 - Atualizado às 18h48
    Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Engenheiros de diversas áreas, professores universitários e até um médico e um psicólogo estão varrendo as ruas de São Paulo. Ao menos 50 dos 311 estrangeiros contratados pela Inova, empresa responsável pela limpeza pública de parte da cidade, têm diploma de ensino superior.

    Fugindo do caos político de Angola, do Congo e da Nigéria, na África, esses estrangeiros têm vindo ao Brasil em busca de uma vida mais estável e sonham em trazer para cá suas famílias. No caso dos congoleses, muitos não conseguem contato com parentes desde que estão no Brasil, alguns há dois anos.

    O Congo está imerso em uma violenta guerra civil há 20 anos, com saldo de mais de seis milhões de mortos. Uma recente reviravolta política provocou uma onda de imigração rumo ao Brasil. Foi assim que o engenheiro agrônomo Reagan Mukimalio, 24, desembarcou no país. Ele está aqui há nove meses e há quatro trabalha para a Inova.

    Em seu país, Mukimalio trabalhava para a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), no comando de uma equipe que produzia adubo a partir de compostagem. Em São Paulo, o engenheiro passou a pegar no pesado, no programa de compostagem da Inova na Lapa (zona oeste), produzindo adubo a partir dos restos das 26 feiras do bairro.

    "No meu país sou perseguido político. Prefiro ser trabalhador braçal vivo aqui do que um intelectual morto na África", diz Mukimalio. Ele diz que está mais feliz aqui. "Amo o Brasil, terra abençoada, aqui há paz. Aqui o Estado funciona, há garantias para o cidadão que não existem em meu país. Quero trazer minha família", contou o engenheiro.

    Ele tem mulher e um filho de 10 meses em Kinshasa, capital do Congo. "Preciso juntar 6.000 dólares para isso", falou Mukimalio, que ganha R$ 1.059 por mês. A Inova, empresa responsável pela limpeza urbana da região noroeste da cidade, abriu em maio de 2015 um programa para possibilitar a integração e recolocação de imigrantes e refugiados.

    Segundo a empresa, o projeto é uma parceria com o CATe (Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo) e do CRAI (Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes). Ela garante apoio jurídico, informações sobre regularização migratória, documentação, cursos de qualificação, atendimento gratuito com profissionais de psicologia e acesso aos serviços públicos municipais.

    Segundo o presidente da Inova, Reginaldo Bezerra, com a entrada dos estrangeiros houve aumento na produtividade das equipes operacionais e diminuição na rotatividade. "São profissionais comprometidos, dedicados, disciplinados e que motivam os outros colaboradores a partir do exemplo de conduta profissional."

    O psicólogo Pedro dos Santos Fula, 38, tinha um consultório na capital de Angola, Luanda. Depois de uma disputa familiar por herança, diz que foi ameaçado por parentes e teve que fugir para o Brasil com o filho de seis anos, deixando a mulher e um filho de dois anos. Atualmente, trabalha na varrição das ruas como gari.

    "A situação política é caótica no meu país, a Justiça é precária e a polícia não garante a segurança dos cidadãos. Por isso tive que fugir para o Brasil", diz Fula. Formado na Universidade de Kinshasa, na capital da vizinha República Democrática do Congo, e fluente em quatro línguas, o psicólogo está no Brasil há quatro meses.

    "Já arrumei emprego, meu filho está na escola. Aqui tem segurança e estabilidade", afirma Fula. Agora, ele pretende revalidar seu diploma, para voltar a trabalhar como psicólogo.

    Há ainda 102 pessoas com formação técnica trabalhando na varrição. É o caso dos congoleses Eric Mulaza Kakodi, 30, topógrafo, Ton Ton Madeko, 29, mecânico, e Mfumu Kausokwa, 34, mecânico. Perseguidos políticos, eles sonham voltar a exercer suas funções originais.

    "Vocês não sabem a benção que é não ter guerra e ter democracia. Aqui, a presidente está saindo e ninguém morreu. No Congo, quando muda o governo logo matam a oposição", diz Kakodi.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024