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    Gestão Alckmin quer vender fazendas de pesquisas e provoca embate

    EDUARDO GERAQUE
    DE SÃO PAULO
    MARCELO TOLEDO
    DE RIBEIRÃO PRETO

    05/07/2016 02h00

    A inclusão de 13 fazendas de pesquisas do Estado em um projeto mais amplo para se desfazer de áreas e equilibrar as contas públicas voltou a colocar a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) em embate com a comunidade científica.

    O plano, enviado à Assembleia Legislativa e que deve ser votado nos próximos meses, inclui a venda de áreas que somam 13,4 milhões de m² originalmente destinadas a pesquisas –equivalente a 1.877 campos de futebol.

    O governo Alckmin diz que a medida trará uma economia de R$ 508 mil por ano, sem contar a verba arrecadada com a venda das fazendas. Das propriedades listadas constam centros de pesquisas inteiros, localizados em Jundiaí, Brotas, Gália e Itapeva. Em outros casos, só parte da área pode ser alienada.

    "O projeto preocupa como um todo", afirma Joaquim Azevedo Filho, presidente da Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo, para quem não houve debate do governo com as equipes das fazendas.

    Ele defende que todas as áreas do projeto "têm uma utilidade, seja para pesquisa, seja em termos de preservação ambiental, seja ambas". Em abril, Alckmin já havia sido alvo de críticas na comunidade científica após ter criticado a Fapesp (fundação de apoio à pesquisa do Estado), em reunião com seu secretariado, por priorizar estudos "sem utilidade prática".

    A ideia de se desfazer das fazendas destinadas às pesquisas integra um projeto mais amplo, que envolve a venda de 79 imóveis, incluindo áreas do DER (departamento de estradas), para arrecadar R$ 1,43 bilhão. Ele é questionado na Justiça pelo deputado Carlos Neder (PT).

    O Centro de Engenharia e Automação, de Jundiaí, é um dos espaços atingidos. No local, há 40 projetos em andamento, feitos por 12 pesquisadores e 22 funcionários, diz a associação de pesquisadores.

    A entidade menciona a presença no local de um conjunto de laboratórios, estruturas de campo e de transferência tecnológica para produtores, além de pista de ensaio de tratores e outros veículos agrícolas com 1 km.

    "Como esses conjuntos de infraestrutura não podem ser transferidos, os prejuízos nas atividades de pesquisa serão enormes", diz Azevedo Filho.

    Em Brotas, são relatados dez projetos sobre avicultura em andamento, com investimento recente na recuperação da infraestrutura e pastagem sob cerrado, ambiente incomum entre as unidades de pesquisa do Estado. No centro de Gália, pesquisadores citam comprometimento de projetos para a agricultura familiar, como as pesquisas sobre bicho-da-seda.

    Venda polêmica

    EXAGERADO

    O coordenador da APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), Orlando Melo de Castro, órgão do governo Alckmin responsável por administrar as áreas, defende a tese de que "não vai haver nenhum prejuízo para as atividades de pesquisa no Estado".

    Ele diz que a análise do patrimônio das fazendas é feita desde 2012. "É um patrimônio exagerado para a pesquisa. São 42 unidades com 16,6 mil hectares. Muitas das áreas estão sendo pouco usadas."

    Segundo Castro, como comparação, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) tem 52 unidades de pesquisa no país.

    "Nosso objetivo não é apenas economizar dinheiro, é otimizar pesquisas. Todos os projetos serão transferidos. E, em alguns casos, como em Jundiaí, os pesquisadores devem ficar em unidades dentro do mesmo município."

    FIM DAS 'VACAS VITAMINADAS'

    Do cenário visto até o início do ano, pouco resta no Polo Regional Centro Leste, fazenda do governo do Estado em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Onde antes havia centenas de vacas utilizadas em estudos científicos hoje há apenas barracões vazios.

    O imóvel tem 2,7 milhões de m² dos seus 5,7 milhões de m² incluídos na lista de venda pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) e, desde março deste ano, já não abriga mais animais usados em pesquisas.

    Em dezembro passado, bezerros começaram a ser transferidos para uma unidade do Estado em Nova Odessa, na região de Campinas, com a intenção de centralizar as pesquisas com gado de leite na cidade, segundo a Apta (agência de tecnologia dos agronegócios), da Secretaria de Estado da Agricultura da administração tucana.

    Entre os estudos desenvolvidos no local está o da "vaca vitaminada", que consiste na produção de um leite enriquecido com vitamina E, óleo de girassol e selênio.

    Após ingerir o leite, um grupo de cem idosos que viviam em casas de repouso de Ribeirão Preto apresentaram melhora em exames clínicos –colesterol, creatinina e ácido úrico.

    Isso, no entanto, faz parte do passado. No local destinado aos animais usados nas pesquisas, nem mesmo os equipamentos para ordenha existem mais, segundo funcionários da propriedade rural ouvidos pela Folha.

    A retirada dos animais foi motivada, segundo argumento do Estado na época, aos constantes furtos no local. Desde 2015, 34 vacas foram furtadas da área, que não possui cercas, câmeras nem vigias. Para a associação dos pesquisadores, no entanto, esse já era um indicativo de que a propriedade pudesse ser vendida. Sem os animais, teria passado a ser considerada "inservível", segundo eles.

    RECLAMAÇÕES

    Um sistema de alarme que custou R$ 14 mil foi comprado para a fazenda, mas ele chegou após os animais já terem ido embora, conforme servidores. A transferência dos animais e a possibilidade de venda da área em Ribeirão Preto geraram reclamações do Sindicato Rural da cidade e de outras instituições.

    Entre elas, a USP (Universidade de São Paulo), que desenvolvia pesquisas no local por meio da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto), e também da Câmara, que aprovou moção pedindo a retirada da área local da lista de imóveis à venda –por enquanto, sem sucesso.

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