• Cotidiano

    Thursday, 28-Mar-2024 18:00:04 -03

    Massacre em presídios

    Facções criminosas disputam rotas do tráfico na área do Trapézio Amazônico

    FERNANDA MENA
    DE SÃO PAULO

    04/01/2017 02h00

    A tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia e as rotas de tráfico que escoam a produção de cocaína da região, conhecida como Trapézio Amazônico, são o principal motivo da disputa entre as facções criminosas Família do Norte e PCC, que vitimaram de forma bárbara 56 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus.

    "O que está em jogo é o controle dessas rotas, economicamente muito valiosas. É uma disputa por dinheiro", explica Luiz Fábio Paiva, professor e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista na tríplice fronteira.

    Os recordes de apreensão de drogas pela Secretaria de Segurança Pública do Amazonas nos últimos dois anos dão ideia dos recursos que podem ser gerados ali: em 2015, foram 11 toneladas de drogas; em 2016, dez toneladas. O secretário Sérgio Fortes estimou um valor para cada montante: R$ 200 milhões.

    Massacre em Manaus
    Fachada da penitenciária Anísio Jobim, em Manaus

    E, claro, a droga apreendida é apenas parte daquela que circula por lá. Estimativas da Polícia Federal apontam que o tráfico de cocaína deve movimentar cerca de R$ 1,5 bilhão por ano na região.

    "A Família do Norte não admite a expansão do PCC no Amazonas nem nos presídios do Norte. Eles têm a perspectiva do monopólio do narcotráfico na região e da hegemonia no controle dos presídios, como a organização paulista tem em outros Estados do país", avalia Paiva.

    A FDN é aliada do Comando Vermelho (CV), que mantinha uma espécie de parceria com o PCC. Com a cisão entre as duas facções do Sudeste, ocorrida em meados de 2016, a tensão entre FDN e PCC se acirrou.

    ROTA DO TRÁFICO

    É pelo Alto Solimões e seus afluentes que a pasta-base de cocaína ou a cocaína já refinada navegam, chegando a Manaus e seguindo para outros Estados até o Ceará, onde a Família do Norte tem forte atuação, segundo Paiva. De lá, a droga seguiria para a Europa, em geral via Portugal.

    As atividades na chamada rota do Solimões teriam se intensificado nas mãos da FDN, depois de anos sendo exploradas por pequenos traficantes –após a desarticulação dos grandes cartéis colombianos, que puxavam a produção regional para aquele país, tendo como alvo o mercado norte-americano.

    A pesquisa de Paiva apontou que as comunidades da tríplice fronteira e as populações ribeirinhas são muito assediadas para integrar essa passagem da droga como mulas ou aviões, pelo conhecimento que têm das rotas pluviais. Nelas, a droga é ocultada em peixes, artesanatos ou na própria estrutura de barcos que fazem o transporte.

    "Desde o Alto Solimões até Manaus, verificamos um aumento no uso de drogas entre ribeirinhos e indígenas, bem como uma escalada de violência, com crescimento nos índices de suicídio e homicídio. Para essas comunidades, o problema não é a droga que passa, mas a droga que fica", diz.

    Segundo o pesquisador, a Família do Norte (FDN) surgiu por volta de 2006, quando Gelson Lima Carnaúba e José Roberto Fernandes Barbosa, o Zé Roberto da Compensa, retornaram a Manaus, após deixarem presídios federais, e decidiram organizar o crime local nos moldes de facções como o PCC e o Comando Vermelho (CV).

    "A FDN unificou coletivos criminais de Manaus e dividiu o comércio de entorpecentes por região da cidade, criando códigos de conduta para os criminosos", explica Ítalo Lima, pesquisador da Universidade Federal do AM.

    Segundo Paiva, a facção atuou em rede e de forma silenciosa, sem "a ostentação que se vê entre facções do Rio de Janeiro". Talvez por isso tenha demorado para entrar no radar das autoridades.

    Em abril de 2014, a Polícia Federal no Amazonas foi surpreendida ao apreender R$ 200 mil em espécie dentro do aparelho de ar condicionado de uma lancha que navegava no rio Solimões.

    As investigações feitas a partir dali revelaram uma organização criminosa extremamente hierarquizada que já atuava dentro e fora dos presídios amazonenses.

    Mais de um ano depois, em novembro de 2015, a operação La Muralla da PF cumpriu 86 mandados de prisão, muitos contra as principais lideranças da FDN, dentre eles, os fundadores da facção.

    Edição impressa
    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024