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    Massacre em presídios

    União devolve a Estados 891 presos em cinco anos

    RUBENS VALENTE
    DE BRASÍLIA
    FABRÍCIO LOBEL
    DE SÃO PAULO

    21/01/2017 23h30

    Como principal resposta a rebeliões em presídios, os governos estaduais transferiram para as quatro penitenciárias federais nos últimos cinco anos um total de 1.414 detentos considerados líderes de facções criminosas.

    Desse total, 891 foram devolvidos aos Estados no período, segundo dados do Depen (Departamento Penitenciário Federal) obtidos pela Folha.

    As transferências de líderes têm sido adotadas pelos governos federal e do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte como solução imediata para as chacinas ocorridas desde 1º de janeiro nos três Estados –como a última delas em que 26 morreram em um só dia na disputa entre facções no presídio de Alcaçuz (RN).

    O entra e sai deles, porém, pode ter o efeito colateral de fortalecer as lideranças e as facções, avaliam autoridades.

    A lei que estabelece os critérios para transferência, de 2008, prevê que o preso só fique no presídio federal por um prazo de até 360 dias, renovável "excepcionalmente, quando solicitado motivadamente pelo juízo de origem".

    Segundo o Depen, os detentos têm ficado, em média, dois anos nas unidades federais. Depois disso, regressam aos Estados dos quais foram retirados emergencialmente.

    Quando retorna, segundo as autoridades, o "preso federal" volta com mais poder e conhecimento das facções. Nos presídios da União, pode frequentar o mesmo horário do banho de sol de outros líderes de sua facção, por duas horas diárias, o que facilita a troca de informações.

    "Ele volta com status maior. Ele tem os contatos, volta com uma facção que já existe ou até cria outra", diz o juiz de execução penal de Manaus Luís Carlos Valois.

    Para o juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior, corregedor do presídio federal de Mossoró (RN), o preso "sai do sistema federal com status".

    Outro problema é a definição de quem é de fato líder. Estados estariam transferindo presos que tiveram alguma participação nas mortes e rebeliões, mas não eram líderes.

    Para Edilson Gonçalves Filho, defensor público que atua no presídio de Mossoró, as transferências são feitas a partir de indícios e "muitas vezes não há prova de que é realmente um líder".

    "Só pode entrar em presídio federal quem efetivamente for liderança. Se ingressar outro que não é líder, ele sai com potencial de liderança", avalia o juiz Silva Júnior.

    Quando o preso líder sai do presídio, sua função como "representante" de alas é ocupada por outro detento.

    "Em todo presídio há um 'líder' de ala. Quando esse líder sai, há um vácuo de poder, preenchido por outro preso. Quando o preso volta, existe uma briga de poder. Ele quer buscar seu espaço que foi ocupado", diz Valois.

    DEVOLUÇÕES - Presos transferidos a presídios federais de 2012 a 2017

    OUTRO LADO

    O secretário de Justiça de Roraima, Uziel Castro, que enviou dez presos a presídios federais após a chacina de 33 detentos em Boa Vista, diz que transferências são "altamente positivas". "[Os presos] voltam mais disciplinados e continuam com a liderança deles. Há certa reverência pelos presos mais jovens, mas eles voltam mais equilibrados."

    O Depen informa que "a identificação de lideranças ocorre inicialmente pelos sistemas prisionais estaduais, como fundamento legal à solicitação de transferência".

    A coordenação de inteligência, diz o órgão, "passa a monitorar a atuação de tais indivíduos durante o período de suas custódias nas penitenciárias federais, com o propósito de identificar seus papéis de liderança, as redes de atuação extramuros e a expressividade desempenhada na cadeia de comando da facção".

    Os secretários de Segurança do AM e do RN não foram localizados para comentar. Neste sábado (21), contêineres foram colocados em Alcaçuz para separar os presos rivais. Um muro será feito.

    CUSTO MENSAL DO PRESO - Em R$

    ISOLADOS

    Vinte e duas horas diárias dentro de uma cela de cerca de seis metros quadrados. Sem controle da iluminação ou do fornecimento de água para banho. A única chance de distração é a leitura, para aqueles que sabem ler.

    As duas horas de convivência com outras pessoas ocorrem em um pátio cercado de grades e muros altos. O espaço é coberto por uma firme tela metálica, para evitar resgates por helicópteros.

    O isolamento do sistema penitenciário federal é apontado por especialistas criminais como o maior trunfo desses presídios e o maior temor de quem está preso neles.

    Cada uma das quatro unidades federais (Catanduvas, no Paraná, Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Porto Velho, em Rondônia, e Mossoró, no Rio Grande do Norte) é dividida em quatro alas chamadas de vivências.

    As vivências são divididas em quatro setores com até 13 presos. Esse é o grupo com o qual o preso convive durante seu banho de sol diário. O contato com funcionários é restrito e vigiado por câmeras monitoradas em Brasília.

    "No sistema federal, o preso tem sua integridade física garantida, não há casos de agressões físicas ou brigas, há fornecimento de alimentação adequada. Ainda assim, não há um preso que queira ficar ali. Todos querem retornar para os presídios estaduais de onde vieram, onde há menos rigor", diz um defensor público que atua em uma cadeia federal e não quis ser identificado.

    No sistema penitenciário federal, o preso só pode ver TV atrás de grades, durante seu banho de sol. Os livros e revistas passam por uma censura, para barrar conteúdos violentos, por exemplo.

    Apenas os presos bem comportados têm acesso a atividades de socialização. Aqueles que não se enquadram nas regras disciplinares são encaminhados pela Justiça para o Regime Disciplinar Diferenciado, perde o direito a visitas e faz seu banho de sol sozinho, dentro de sua cela.

    A administração do sistema justifica o rigor imposto aos presos com os resultados: segundo ela, desde 2006 nenhum presídio federal registrou fugas, celulares dentro de celas ou mortes violentas.

    Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
    No presídio federal de Catanduvas, presos ficam 22 horas por dia dentro de celas de 6 m²
    No presídio federal de Catanduvas, presos ficam 22 horas por dia dentro de celas de 6 m²

    Por outro lado, uma das principais reclamações dos presos é o afastamento da família. O Depen (Departamento Penitenciário Nacional) tem como diretriz retirar o preso de sua área de atuação, para romper o vínculo com o crime. Isso dificulta as viagens das famílias, aumentando ainda mais a reclusão.

    Em visitas feitas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), entre 2011 e 2013, magistrados encontraram falhas nas unidades de Campo Grande e Mossoró como a ausência de espaços para atividades laborativas.

    O Ministério da Justiça informa que desenvolver as atividades laborais tem sido um dos "grandes desafios" do sistema, já que os presídios não possuem áreas adequadas para trabalhos.

    Números divulgados pelo Depen a pedido da Folha apontam que há 235 membros de facções nos presídios federais. São 95 líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital), outros 95 do CV (Comando Vermelho), 24 do Sindicato do Crime do RN e 21 da Família do Norte (FDN).

    Juntas, as quatro facções envolvidas nas chacinas deste ano representam 45% dos 523 "detentos federais".

    Presídios federais

    EFEITO PSICOLÓGICO

    Um levantamento do Depen aponta que 19% dos internos declararam ter transtorno de ansiedade e 18%, depressão. Cerca de 20% disseram usar medicamentos contínuos contra insônia.

    Entre os detentos usuários de psicotrópicos, 63% declararam ter iniciado a medicação após entrar no sistema federal. De 350 ouvidos, 21, ou 6%, disseram ter tentado suicídio após entrarem em um dos presídios federais –o sistema registrou pelo menos um caso, em Campo Grande.

    Para o juiz corregedor do presídio federal de Mossoró, Walter Nunes da Silva Júnior, essa é uma questão que deve ser analisada profundamente. "Não temos ainda estudos psicológicos ou psiquiátricos dos efeitos que o isolamento acarreta na pessoa", afirma.

    Até a conclusão desta edição, o Ministério da Justiça não respondeu se já havia solucionado essas falhas.

    O levantamento do Depen aponta que o Estado que mais envia presos de suas cadeias para o sistema federal é o Rio.

    Em 2014, entre 304 presos consultados, 56 tinham como origem as cadeias fluminenses. Santa Catarina e Mato Grosso do Sul estavam na segunda e terceira colocação, com 31 e 29 presos.

    Ainda de acordo com o levantamento, cerca de 70% não estudaram ou cursaram apenas até a 8ª série. A maioria dos presos no sistema já foi condenada por roubo e tráfico de drogas.

    Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
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