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    'Não levou uma semana para morrer', diz mãe de vítima de febre amarela

    NATÁLIA CANCIAN
    ENVIADA ESPECIAL A LADAINHA (MG)

    07/03/2017 02h00

    Adriano Vizoni/Folhapress
    Maria Verdiana de Araújo, 63, que perdeu o filho, Juramir de Jesus, 47, vítima de febre amarela
    Maria Verdiana de Araújo, 63, que perdeu o filho, Juramir de Jesus, 47, vítima de febre amarela

    Enquanto cuidava da casa, Maria Verdiana de Araújo, 63, via o filho esmorecer. Havia algo errado. O Negrão, como o pedreiro Juramir de Jesus, 47, era conhecido pelos amigos, "era forte demais".

    "A doença veio de uma hora para outra. E eu perguntava: 'O que está acontecendo com você, meu filho?' Ele dizia: 'Mãe, não estou enxergando nada'", conta Verdiana, sobre o drama enfrentado pela família em janeiro.

    As principais reclamações eram dor de cabeça e febre forte, que não cessava. Até que Cláudio, um amigo, decidiu levá-lo para o hospital que fica ruas abaixo. Passaram três dias sem que ele voltasse. "Ele ficou até com os olhos esquisitos. Amarelos. E eu pensava, meu Deus, será que meu filho não vai voltar?"

    Enquanto a dúvida assustava Verdiana, já fazia pouco mais de uma semana que a suspeita de um surto de febre amarela –doença centenária e até então esquecida– deixava sob apreensão a pequena cidade de Ladainha, uma área encravada no meio da mata atlântica no interior de Minas Gerais.

    Segundo a Secretaria estadual de Saúde, o município que abriga as instalações de uma antiga estação ferroviária de 1918 foi um dos primeiros do Estado a acender o alerta sobre a ocorrência de mortes por suspeita de febre amarela neste ano.

    Também é a cidade com maior número de casos e mortes confirmadas pela doença, que hoje preocupa ainda em outras regiões (leia mais abaixo).

    FILAS

    O aviso sobre a suspeita foi seguido de cenário de desespero. Filas se formavam na quadra onde vacinas eram aplicadas. Doses chegavam e terminavam antes do fim do dia. Logo no início do rebuliço, Verdiana afirma que correu para obter a proteção.

    Segundo ela, o filho, na época, não quis acompanhá-la. "Não gosto de mexer com isso", disse ele à mãe. Não imaginava que poderia ser afetado pelo surto poucos
    dias depois. Nem mesmo se já estava com a doença.

    "Ele foi para o hospital e não levou nem uma semana para morrer. Viram que ele não ia melhorar e levaram para Teófilo Otoni. Dali a pouco já chegou a notícia. Foi uma tristeza."

    NEM TÃO URBANO

    Em Ladainha, o caso gerou zum-zum entre equipes de saúde por ter ocorrido em um bairro na área urbana –casos de febre amarela urbana, transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti, não são registrados no Brasil desde 1942. Nos últimos anos, o país só registrou casos de febre amarela silvestre, considerada endêmica em áreas rurais e transmitida pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes.

    A hipótese de febre amarela urbana, porém, acabou descartada devido à circulação da vítima em áreas rurais e pelas características do município, entrecortado por morros cuja área verde se junta a cada quintal. "É só olhar em volta. Não dá para dividir o que é urbano e o que é rural aqui", afirma o secretário municipal de Saúde, Fábio Peres.

    Verdiana abre o portão da casa azulada construída pelo filho e confirma a proximidade. "Um dia encontraram um bicho morto aí atrás, no meio do terreno. [Equipes de endemias] Vieram aqui e perguntaram até pra mim se eu tinha gelo, botaram numa vasilhinha e levaram. Disseram que não foi cachorro que matou, não", relata. Hoje, Verdiana já sabe o motivo. "Era febre amarela."

    BRASIL JÁ TEM 127 MORTES

    Em pouco mais de dois meses, o Brasil já registra 127 mortes confirmadas por febre amarela, segundo dados de boletim atualizado do Ministério da Saúde. Outras 106 ainda estão em investigação.

    Ao mesmo tempo em que registra aumento nas confirmações da doença, a avaliação da equipe técnica da pasta é que o número de novos casos suspeitos tem diminuído nas últimas semanas.

    A redução coincide com o avanço da vacinação nas principais áreas de alerta para o atual surto de febre amarela, localizadas em Estados como Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Bahia e Rio de Janeiro. "Os nossos gráficos já mostram uma queda na incidência [de casos]", afirma o ministro da Saúde, Ricardo Barros.

    Desde dezembro, já foram registrados no país 371 casos confirmados de febre amarela, no maior surto desde a década de 1980. Do total, 78% ocorreram em municípios de Minas Gerais. Outros 966 ainda aguardam análises e resultados de exames.

    Só em Ladainha, já são 14 mortes confirmadas. Apesar da queda no ritmo de novos casos, o Estado mais atingido pelo surto vive agora uma nova preocupação: o risco de avanço da doença para cidades maiores e que ainda não haviam sido afetadas, como Belo Horizonte.

    O alerta ocorre devido às recentes epizootias (morte de macacos), sinal de que o vírus da febre amarela silvestre circula na região. A situação levou a prefeitura a intensificar a vacinação contra a doença. Ao menos três parques da cidade, onde os animais foram encontrados mortos, foram fechados.

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