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    Médica filha de pai semialfabetizado é a 1ª mulher a dirigir faculdade da USP

    JAIRO MARQUES
    DE SÃO PAULO

    08/03/2017 02h00

    Eduardo Knapp/Folhapress
    A médica Margaret de Castro, 57, que criou uma comissão de direitos humanos e quer combater violência de gênero na USP
    A médica Margaret de Castro, 57, que quer combater violência de gênero na USP

    Foram necessários 65 anos para que uma mulher assumisse o posto de comando mais alto de uma das mais tradicionais faculdade de medicina do país, a USP de Ribeirão Preto (SP). O ciclo foi rompido pela médica Margaret de Castro, 57, filha de mãe professora e de pai produtor rural semialfabetizado.

    Escolhida diretora da faculdade para uma gestão de quatro anos, Margaret é formada em medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro e livre docente pela própria USP-Ribeirão.

    Tem agora, sob sua responsabilidade, o quarto maior orçamento da instituição, além de 2.800 alunos na graduação e na pós-graduação –equilibrados entre homens e mulheres–, um hospital de clínicas e centros hospitalares que abrangem uma população de 4 milhões de pessoas e demandas por manutenção de padrões de qualidade.

    "As primeiras turmas de medicina desta escola [faculdade de medicina], de 1952, tinham duas, no máximo três mulheres. O mundo era muito mais machista. O papel da mulher era secundário", diz. Para a diretora, foram décadas de trabalho e conscientização por igualdade que a fizeram chegar ao cargo.

    "Quando a mulher começou a se posicionar, mostrar seu valor, parte da sociedade, do mundo masculino, soube reconhecer isso. Foi depois de um processo trabalhoso que, no início do século 21, uma mulher conseguiu comandar esta faculdade, embora mulheres ainda sejam em menor número que homens como docentes."

    Especializada em endocrinologia, a médica nasceu em Pontal, na região de Ribeirão Preto, e desde o final da década de 1980 dedica-se a atividades acadêmicas. Em 1992, foi premiada pela USP por ter uma das três melhores teses de doutorado.

    "Meu pai não tinha nem o primário completo. Lia e escrevia com muita dificuldade, mas sempre falava que, mesmo tendo uma vida feliz, não tinha realizado o desejo de ter um curso superior, ter se formado em alguma profissão. Isso contribuiu muito para que eu e meus três irmãos buscássemos conhecimento e formação."

    Aos 10 meses de idade, Margaret foi acometida pelo vírus da paralisia infantil, o que lhe causou sequelas na perna direita e a faz, atualmente, andar com auxílio de bengalas. Mas a médica não coloca na deficiência nenhum peso para suas conquistas.

    "Fui muito amparada por minha família, por boas condições sociais. Vivi parte da vida numa cidade pequena e estudei num colégio pequeno. Isso tudo me fez crescer num ambiente que nunca me fez sentir desigual."

    Estudiosa, ela entrou na faculdade de medicina aos 17 anos. "Estava sempre entre as melhores da turma. Acho que o fato de ser rápida, inteligente, me fazia ultrapassar aspectos que a dificuldade física pudesse limitar."

    Arquivo pessoal
    Bruna Sena, 17, comemora o primeiro lugar no curso de medicina da USP de Ribeirão Preto, o mais concorrido da Fuvest
    Bruna Sena, 17, comemora o primeiro lugar no curso de medicina da USP de Ribeirão Preto

    VIOLÊNCIA ZERO

    Uma das primeiras medidas da gestão de Margaret de Castro foi criar uma Comissão de Direitos Humanos, subdividida em direito de gênero, prevenção –com enfoque em temas éticos– e de assuntos gerais.

    A medida vem na esteira de casos de estupro envolvendo estudantes em festas do curso de medicina.

    "Os casos de estupro, infelizmente, não acontecem só na USP e só no Brasil. Mas, se existe o problema, chegou a hora de encararmos o fato e não negá-lo. Vamos combater a violência de frente."

    Para a recepção aos calouros, a diretora e parte dos docentes usaram uma camiseta com as inscrições: "Calouro (a), você não é obrigado (a) a nada!", "Violência zero! A FMRP tem compromisso com a igualdade de gênero". Sobre o ingresso de Bruna Sena, 17, 1º lugar no vestibular da faculdade de medicina de Ribeirão, sendo negra, pobre e de escola pública, a médica se diz "tocada".

    "A USP tem feito um esforço grande para criar políticas inclusivas para alunos do ensino público e pessoas com dificuldades socioeconômicas. O caso da Bruna, uma batalhadora, me tocou muito porque ela também estudou em um cursinho mantido pelos alunos da faculdade para pessoas de baixa renda."

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