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    Rio de Janeiro

    Com aumento de mortes, Rio tem 1º semestre mais violento desde 2009

    LUIZA FRANCO
    DO RIO

    03/08/2017 02h00 - Atualizado às 10h11
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    Mauro Pimentel/Folhapress
    RIO DE JANEIRO, RJ, 01.08.2017: VIOLENCIA NO RIO RETRATO MAES - Luciene Silva, 51, mae de Raphael, 17, um dos mortas da chacina da Baixada em 2005. Aumento da violencia no estado do Rio de Janeiro tem na Baixada Fluminense o maior numero de mortos. (Foto: Mauro Pimentel/Folhapress, FSP-AGENCIA) ***EXCLUSIVO FOLHA***
    Luciene Silva, 51, mãe de rapaz de 17 morto no Rio

    Na tarde de 5 de julho, na porta do IML do Rio, a tia de uma menina de dez anos morta com um tiro na cabeça em uma favela da zona norte fez um desabafo. A fala de Tatiana Lopes viralizou, já que representava um sentimento quase geral da população.

    "A gente não aguenta mais. Hoje foi minha sobrinha. Amanhã vai ser quem? A gente está cansado. Quero ver dizer na minha cara que a gente pode contar com o poder público no Rio de Janeiro."

    Dados oficiais confirmam a sensação de insegurança em um Estado hoje sob reforço de policiais da Força Nacional de Segurança e de militares das Forças Armadas.

    O número de mortes violentas no primeiro semestre deste ano (3.457) cresceu 15% em relação ao mesmo período de 2016. Foi o pior primeiro semestre desde 2009 (3.893). A região onde essas mortes mais aumentaram foi a Baixada Fluminense (23%), conjunto de 13 municípios, com 3,7 milhões habitantes, na região metropolitana.

    Mortes violentas no RJ* - No 1º semestre de cada ano

    "Aqui as pessoas se sentem mais à vontade para matar", diz Nívea Raposo, 41. "Porque sabem que é terra de ninguém", afirma Luciene Silva, 51. Ambas perderam filhos para a violência na região, num intervalo de dez anos entre os assassinatos. "A Baixada sempre foi jogada às traças", completa Luciene.

    A capital, no entanto, não ficou muito atrás. Lá, as mortes violentas subiram 21%. Os números são do ISP (Instituto de Segurança Pública), braço estatístico da Secretaria de Segurança Pública, e somam homicídio intencional, roubo seguido de morte, lesão corporal seguida de morte e homicídio após oposição a intervenção policial.

    DIVISÃO DAS MORTES VIOLENTAS -

    Este último indicador, que sugere confronto, foi o que mais subiu dentre as mortes violentas, em relação ao primeiro semestre de 2016 (45%). "Isso acontece porque a política de segurança não está voltada para as grandes apreensões de drogas, mas para o varejo, que acontece dentro das favelas, onde há cada vez mais armas", diz o coronel Ibis Pereira, que foi comandante interino da PM do Rio.

    "Para ilustrar, em 2016, 50% das apreensões de drogas foram de 10 gramas, uma quantidade muito pequena. Daí o aumento dos confrontos, das mortes de policiais e por policiais", afirma. A taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes no Rio no primeiro semestre de 2017 foi quatro vezes a registrada no Estado de São Paulo.

    Editoria de Arte/Folhapress

    MANCHA CRIMINAL

    O aumento da violência na Baixada reflete tendência mais ampla de espalhamento da mancha criminal para fora da capital fluminense.

    Levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas mostra que, de 2006 a 2016, a violência se difundiu principalmente para a Baixada Fluminense e o interior. Essas áreas concentravam 48% dos homicídios dolosos em 2006 e 65% em 2016. Já a capital registrou redução no total de assassinatos no período, passando de 39% a 26%.

    Uma hipótese de especialistas para esse fenômeno é a própria instalação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) na capital (das 38 unidades, apenas uma fica na Baixada). Isso teria provocado a migração de criminosos para outras regiões.

    "Nos últimos anos, o tráfico na Baixada mudou a forma de operar, se tornou mais armado. Isso se soma e se integra com outros vetores de violência na Baixada: os grupos de extermínio, que têm raízes na primeira metade do século 20, e as milícias, que são um fenômeno mais recente", diz o ouvidor-geral da Defensoria Pública, Pedro Strozenberg.

    Crimes menos graves, como roubos, também aumentaram de um ano para cá. Mas esse crescimento foi maior do que os números oficiais retratam. Isso porque policiais civis passaram boa parte do semestre em greve. Nas delegacias que aderiram à paralisação, foram registrados apenas os crimes mais graves.

    Outros crimes -

    Especialistas dizem que não é de hoje a tendência de recrudescimento da violência e apontam um conjunto de fatores para a deterioração.

    Para Ignacio Cano, do Laboratório da Análise de Violência, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), políticas bem-sucedidas dos anos iniciais da gestão de José Mariano Beltrame (2007-2016) na segurança pública foram reproduzidas sem avaliações e correções de rumo.

    No entanto, a crise financeira do Estado, que deixa buraco de R$ 21 bilhões nos cofres públicos, agravou a situação. Não há recursos para contratar PMs aprovados em concurso. Policiais não receberam o 13º salário de 2016 nem o adicional por metas e pelo trabalho na Olimpíada.

    A política de Unidades de Polícia Pacificadora ruiu –estudo da PM cita 13 confrontos em lugares com UPP em 2011, contra 1.555 em 2016.

    RECURSOS

    A PM diz buscar reduzir os índices de violência, mas que isso não depende só dela. "As providências operacionais que estão sendo adotadas já estão apresentando resultados, inclusive diante da escassez de recursos humanos e materiais. Os índices criminais refletem um cenário social que não depende apenas da corporação para ser revertido", afirma, em nota.

    A Secretaria de Segurança reconheceu que a quantidade de mortes violentas aumentou nos últimos dois anos, mas menciona redução de 12,4% em relação a 2007. Destacou que em junho foram registradas 18 vítimas de latrocínio, menor número neste ano; e que homicídios dolosos também apresentaram melhora em relação a maio.

    Disse ainda que, "mesmo em um cenário econômico antagônico", criou medidas como um grupo integrado de operações e uma delegacia especializada no combate ao tráfico de armas, além da capacitação de batalhões da PM para uso de ferramenta que permite acompanhar ocorrências e planejar ações.

    Colaborou JÚLIA BARBON, de São Paulo

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