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    Movimentando R$ 3 bi, rodeios geram discussão sobre tradição e maus-tratos

    MARCELO TOLEDO
    ENVIADO ESPECIAL A BARRETOS

    25/08/2017 17h15

    Joel Silva/Folhapress
    Peão salta em touro durante prova de montaria na Festa do Peão de Barretos, no interior de SP
    Peão salta em touro durante prova de montaria na Festa do Peão de Barretos, no interior de SP

    De um lado, um mercado que fatura mais de R$ 3 bilhões, realiza cerca de 2.000 provas por ano no país e se apega às tradições culturais do campo. De outro, entidades de proteção animal e ações judiciais que já resultaram no cancelamento de eventos país afora.

    Em tempos cada vez mais polarizados entre defensores e críticos dos rodeios no país, é possível afirmar que existe um rodeio "ideal"? Sim. E não.

    Enquanto para organizadores as provas se profissionalizaram e, ao menos nos principais eventos do país, seguem uma série de normas de proteção e bem-estar para touros e cavalos, para ONGs de defesa animal o "ideal" é a não realização de rodeios.

    A Folha ouviu entidades ligadas aos rodeios, que listaram medidas adotadas nos últimos anos para proteger os animais.

    Barretos –que até o dia 27 realiza a sua tradicional Festa do Peão de Boiadeiro–, por exemplo, cancelou há dez anos a prova do laço, devido à falta de um redutor de impacto para proteger os bezerros e também deixou de organizar a competição de bulldog (imobilização de um bezerro pelo pescoço), na qual um animal morreu em 2011.

    Nas competições na cidade e nos principais eventos do país o uso de esporas pontiagudas é proibido, os animais ficam pouco tempo no recinto que abriga o rodeio –para sentirem menos o barulho e a iluminação das arenas– e são analisados por veterinários antes e após as montarias.

    O evento é um dos feitos sob chancela da ABTR (Associação Brasileira dos Criadores de Touros de Rodeio), que surgiu para defender os donos de boiadas, segundo o tropeiro Paulo Emilio Marques, presidente da entidade.

    "A ideia é sempre pensar no animal, no horário para começar e terminar a jornada. Se as provas vão começar às 22h, ele não precisa chegar às 17h, pode chegar 19h30, 20h. E precisam ficar bem instalados." Seus animais são submetidos a rações balanceadas e exames de sangue a cada dois meses.

    Em Itu, há dez anos foi assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre a organização e o Ministério Público que prevê medidas que prezem o bem-estar dos animais.

    O acordo prevê que os bois fiquem no máximo quatro horas no recinto das provas, que não sejam transportados em caminhões superlotados, que os shows só comecem após todos os animais serem retirados e analisados por veterinários e não sejam usados em montarias por dois dias seguidos.

    "Não temos queima de fogos mais e os bretes [onde os touros ficam antes das montarias] não são próximos a caixas de som, assim os animais têm proteção acústica melhor. Se todos adotassem medidas assim, seria muito melhor para os animais", disse Ana Paula da Silva Dótoli, veterinária do rodeio de Itu. O TAC prevê ainda que um veterinário indicado pela Promotoria fiscalize o rodeio.

    Na PBR (Professional Bull Riders), os touros ainda são filmados no embarque e desembarque, conforme o diretor Adriano Moraes, tricampeão mundial. "A PBR tem padrão e manejo próprios, o mesmo da PBR na Austrália, nos EUA e no Canadá, sempre prezando o cuidado com o animal."

    Presidente de Os Independentes, que organiza a Festa do Peão de Barretos desde 1956, Hussein Gemha Júnior disse que o bem-estar sempre foi preocupação do evento, que usará cerca de 240 touros nos 11 dias de provas.

    NÃO RESOLVEM

    Todas essas medidas são paliativas, na avaliação de ONGs, que buscam cada vez mais coibir a realização de rodeios usando os mais variados argumentos.

    Desde o último ano, ao menos seis eventos com montarias em touros foram proibidos pela Justiça após ações de entidades de proteção animal em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.

    Na maioria dos casos, a Justiça veta o uso de instrumentos nos animais, o que, na prática, inviabiliza o evento.
    O principal argumento é de que o sedém (corda de lã presa nos touros antes das montarias) causa sofrimento, é instrumento de tortura e o animal pula na arena para tentar se soltar.

    "Mas não é só o sedém, ele é um dos que causam sofrimento. Os animais sofrem de todas as formas, com choques, estresse e tortura psicológica", disse Vanice Orlandi, presidente da Uipa (União Internacional Protetora dos Animais).

    Além desse argumento, entidades têm usado um decreto de 1995 do ex-governador Mário Covas (1930-2001) para tentar coibir os rodeios. O decreto veta rodeios no perímetro urbano das cidades. Mas ele não atinge todos os rodeios. O de Barretos, por exemplo, é feito na zona rural.

    A brecha foi encontrada pela ONG Amor de Bicho Não Tem Preço, que conseguiu barrar rodeios na região de Campinas. Para Claudia de Carli, dirigente da entidade, os rodeios usam os argumentos culturais para acobertar maus-tratos.

    O argumento dos rodeios é o de que o sedém apenas estimula os animais, que já pulam por índole. "Ele só incomoda. Estamos muito evoluídos em relação a isso. Somos os mais interessados em tratar bem nossos animais", disse Marques.

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