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    Governo suspeita de irregularidades no uso de verbas para saúde mental

    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    31/08/2017 18h30 - Atualizado às 21h08

    Luiz Carlos Murauskas - 17.out.2016/Folhapress
    Pacientes e funcionários protestam contra fechamento de centro de saúde mental de hospital de SP
    Pacientes e funcionários protestam contra fechamento de centro de saúde mental em hospital de SP

    Uma análise feita pelo Ministério da Saúde a partir de um novo sistema de monitoramento apontou a suspeita de irregularidades no uso dos recursos destinados a algumas ações na área de saúde mental.

    Ao todo, foram identificados R$ 185 milhões em verbas que foram repassadas nos últimos dez anos como incentivo em alguns contratos, mas que não tiveram serviços realizados.

    Os valores, não corrigidos pela inflação, incluem verbas de incentivo a Caps (centros de atenção psicossocial), leitos em comunidades terapêuticas e consultórios de rua, entre outros, além de obras e habilitação de 11 novos serviços –estes, sem funcionamento.

    "Temos quase 400 leitos que foram incentivados e não sabemos da existência deles", diz Quirino Cordeiro, coordenador de saúde mental, álcool e drogas do Ministério da Saúde.

    Do total, cerca de metade, ou R$ 92 milhões, são de adiantamento de recursos para iniciativas de desinstitucionalização de pacientes ou de ações contra o crack, mas cujos serviços não foram concretizados, informa.

    Parte desses valores já estão sendo cobrados de volta para o SUS, segundo Cordeiro. O problema, porém, pode ser maior, uma vez que a pasta tem identificado falta de registro dos atendimentos.

    Só nos últimos três meses, 385 Caps –de um total de 2.462– não registraram nos sistemas do Ministério da Saúde nenhum atendimento. Em 2015, por exemplo, metade dos leitos psiquiátricos disponíveis em hospitais gerais tiveram ocupação equivalente a zero. Hoje, há 1.164 leitos com essa função.

    Sem informações, o governo não consegue saber se os serviços estão sendo, de fato, utilizados e não registrados, ou se a verba está sendo usada para outras finalidades. "No ano passado, quase 10% dos Caps não fizeram nenhum registro de produção [atendimento]. Pode ser uma subnotificação. Mas pode ser também serviços inexistentes", afirma Cordeiro.

    "As informações que temos não garantem que os serviços estão sendo prestados", diz. Para ele, ainda não é possível falar em fraudes, uma vez que as situações ainda estão sob análise e respostas estão sendo cobradas dos gestores.

    Ao mesmo tempo em que os números apontam taxa baixa ou zero de ocupação de alguns leitos em hospitais gerais que recebem incentivos fixos, dados mostram que 44 hospitais psiquiátricos especializados tiveram atendimento acima da capacidade –nestes casos, porém, o pagamento ocorre de acordo com o volume de prestação dos serviços.

    O resultado desse diagnóstico, que ocorre após a implementação de um novo sistema de monitoramento, foi enviado ao Denasus (Departamento de Auditorias do SUS) e apresentado em reunião nesta quinta-feira (31) com secretários municipais e estaduais de saúde.

    "Até então, não tínhamos um sistema de monitoramento específico para analisar isso", afirma Cordeiro. Agora, a ideia é que o ministério forme um grupo de trabalho para analisar quais medidas devem ser tomadas e para aprimorar o controle e o modelo de financiamento. O orçamento da saúde mental é de R$ 1,3 bilhão por ano.

    "Infelizmente, tudo o que se produz não chega ao ministério", afirma o secretário de atenção à saúde, Francisco Figueiredo. "E aí não sabemos se não realiza ou se ocorre subnotificação."

    Uma das medidas a serem analisadas é a possibilidade de descredenciamento de centros e unidades que deixarem de informar os serviços prestados. "Já estamos tomando ações de comunicar aos gestores onde não identificamos produção. Queremos verificar isso e legitimar modelos de monitoramento", diz.

    Durante a reunião, o secretário de Saúde do Paraná e presidente do Conass, conselho que reúne secretários estaduais de saúde, Michele Caputo Neto, chegou a comentar sobre a necessidade de discussão sobre qualificação do atendimento nos hospitais e do papel desses serviços, referindo-se aos dados que mostram maior volume de atendimento nos hospitais psiquiátricos em relação aos leitos em hospitais gerais (nestes, entre os que informam dados, a taxa de ocupação é de 27%). A política da reforma psiquiátrica, no entanto, prega o fechamento dos leitos nos hospitais psiquiátricos e o incentivo a redes de atenção psicossocial.

    Questionado, o coordenador de saúde mental nega que uma expansão dos hospitais psiquiátricos tema esteja em pauta dentro do Ministério da Saúde. "Em nenhum momento estamos cogitando fazer expansão de hospital psiquiátrico", diz Quirino. Segundo ele, o grupo de trabalho deve verificar novas opções de controle dos serviços, mas não um retorno do modelo anterior.

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