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    tragédia no rio doce

    Não somos pautados pela Samarco, diz chefe de reparação de dano de tragédia

    MARCELO LEITE
    DE SÃO PAULO

    25/10/2017 02h00

    Karime Xavier/Folhapress
    SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -09 /10/17 - :00h - A Fundação Renova é uma instituição autônoma e independente constituída para reparar os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido no distrito de Bento Rodrigues, Mariana, em novembro de 2015. Retrato do presidente, Roberto Waack. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***COTIDIANO
    O biólogo e empresário Roberto Waack, 57, presidente da Fundação Renova

    Roberto Waack, 57, biólogo e empresário, não poupa críticas à política de ambiente no governo Michel Temer (PMDB): "Há sinais importantes de retrocesso", afirma o executivo escolhido para presidir a Fundação Renova, encarregada de consertar o estrago feito pela mineradora Samarco, há dois anos, na região de Mariana (MG).

    Waack tem larga experiência na área ambiental. Trabalhou por sete anos na empresa Jari Florestal e outros nove na Amata, que ele próprio criou. Foi também membro ativo da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, que reúne entidades e firmas dispostas a engajar o setor florestal e agrícola no esforço de reduzir sua pegada ecológica.

    A tarefa que a Renova tem pela frente é hercúlea: devolver a região impactada pelo derrame de rejeitos e o rio Doce não à condição anterior, que era péssima, mas a um estado exemplar. A fundação é bancada por Samarco e suas controladoras (Vale e BHP), mas Waack não vê ingerência.

    Há um ano na fundação, ele afirma que os prazos de reassentamento e de indenização das famílias serão cumpridos. Diz que são naturais os atrasos e atritos e que o interesse comum a todos é evitar uma judicialização generalizada.

    *

    Folha - Dois anos depois do desastre, qual é o maior desafio da Fundação Renova?

    Roberto Waack - Terminar o processo de indenização e reassentamento nas localidades destruídas pela lama. Está relativamente encaminhado, mas ainda não está entregue. Temos os prazos bem definidos, o ciclo de indenização deve terminar no meio do ano que vem, e os reassentamentos devem terminar, como previsto, no meio de 2019.

    Não era para o reassentamento estar mais adiantado?

    Todos os planos diretores, urbanísticos, foram terminados. Os terrenos foram comprados, e agora estamos na fase de final de licenciamento para início das obras. É um ciclo complexo, de escolha por consenso do local, e aí toda a atividade de projeto de engenharia, mensuração, relevo, áreas de preservação permanente, tratamento de efluentes, tudo isso já está feito. Agora está na fase final.

    *Nesse processo para reassentamento, houve algum atraso? Na escolha do local, interferência do Ministério Público?

    Não há atraso previsto no prazo de entrega. Gostaríamos de estar iniciando agora a supressão vegetal, embora seja uma área de eucalipto, mas precisa de licenciamento. Isso atrasou. Esse atraso gerou muita inquietude.

    A população achou que ia haver um atraso na obra, mas não haverá. O processo estava indo com a comissão de moradores, com 100% de aprovação, mas houve uma série de questionamentos, principalmente nos ajustes finais, uma certa tensão com o Ministério Público local e com os órgãos envolvidos no licenciamento, mas não é um conflito, é a demanda natural desses órgãos, exigências.

    A mudança do perfil da área, de zona rural para zona urbana, não é uma coisa muito fácil do ponto de vista de regras do licenciamento.

    Por que a Fundação Renova ainda enfrenta alguns problemas de relacionamento com certos grupos de afetados pelo desastre? Considera que a representação deles na Renova é adequada?

    Não. Acho que a representação precisa ser reforçada, a gente tem muito um esforço muito grande nisso, reconhece que a importância dos atingidos precisa ser maior na governança geral do Ttac [termo de ajustamento de conduta], não é nem na Renova -no Comitê Interfederativo [órgão criado pelo governo federal para analisar os programas da fundação], nas câmaras técnicas. Essa participação precisa ser mais forte.

    No comitê, a representação dos atingidos, como tal, não existe. Ela se dá através de comitês de bacias, do Ministério de Desenvolvimento Social, da Defensoria Pública etc., mas não diretamente.

    A mesma coisa na Renova. Hoje existe uma representação no Conselho Consultivo, que finalmente foi implementado, levou bastante tempo, porque as comunidades não reconheciam a Renova como organização criada com sua participação desde o início.

    Realmente, o Ttac foi uma iniciativa inovadora super importante, mas que foi feita como poderia ter sido feita na época, com uma preocupação não tão grande como deveria ter com os atingidos.

    No mês passado, o Conselho Consultivo foi completado. São 17 representantes, 10 dos impactados.

    A ajuda financeira emergencial e a perspectiva de obter indenização deve ter atraído muitos oportunistas. A Renova já quantificou a parcela de cadastros que acabam impugnados por falta de comprovação desse vínculo real com a área impactada?

    Não. O ciclo de elaboração do cadastro terminou agora. Ainda existem frentes de cadastro que ainda precisam ser feitas. Mariana é um caso, porque houve uma discussão do conteúdo do cadastro com a assessoria técnica que foi escolhida pelos moradores.

    A gente estima que seja algo em torno de 20% a 30%, mas é uma estimativa muito grosseira. Quais são os critérios é algo que ainda precisa amadurecer. Como é um processo de negociação mediada, o entendimento da extensão do impacto não é preto e branco.

    Dê um exemplo. Para o leigo parece óbvio: ou a pessoa mora numa área impactada pelos rejeitos, ou não mora.

    Qual é o território impactado? Esta é a primeira discussão. Com a pluma [de rejeitos] navegando pela costa, qual é sua extensão? O quanto isso afetou efetivamente, por exemplo, o turismo?

    A outra questão é a própria atividade. Um restaurante que perdeu clientes, ou a situação econômica na região foi ou não afetada –essa é uma discussão bastante complexa.

    E tem uma questão muito crítica, a informalidade. A maior parte da economia é informal. O desafio da comprovação é muito grande. A Renova não está de acordo com a linha de que tudo tem de ser formalmente comprovado. Esse foi originalmente o desenho, mas a gente foi aprendendo que a maior parte aqui é informal. Se exigir comprovação, os mais vulneráveis acabam ficando de fora.

    Estamos definindo grupo a grupo como esse processo vai ser feito. Tem o pescador totalmente informal, tem o pescador de subsistência, sem nenhum tipo de documentação, mas não se pode ignorar.

    No fundo é preciso um envolvimento da sociedade, das cooperativas, das escolas, do sistema de saúde –você vai juntando esses elementos para chegar em números [médios] que sejam razoavelmente aceitos, pois dificilmente se vai conseguir fazer caso a caso.

    Mas se espera muita contestação judicial, por exemplo da Defensoria Pública?

    Acho que sim, e é natural. É um processo que não tem alternativa. Por isso é importante a assessoria técnica aos impactados, para evitar a assimetria de informação. A gente tem a preocupação de que não seja a fundação negociando com...

    ... o coitadinho lá.

    Que tipo e suporte ele pode ter? Vários se agruparam, têm advogados, mas certamente o papel da Defensoria Pública e do Ministério Público é importante. A gente quer ter esse equilíbrio.

    FUTURO DOS ATINGIDOSFamílias ainda lutam por indenizações e auxílio financeiro

    A Renova ainda é vista como um braço das mineradoras BHP e Vale? Por quem?

    Ela é vista, sim. É natural. Vai levar tempo para a Renova ser percebida como uma organização que tem o foco em decisões essencialmente oriundas do Comitê Interfederativo com suas câmaras técnicas.

    Se se observarem as mais de cem deliberações do comitê... Não houve nenhum mês sem reunião do comitê, ou várias reuniões das câmaras técnicas. São mais ou menos cem pessoas e mais de 70 organizações que dirigem a Renova.

    Dizer que a Renova é controlada por suas mantenedoras não é verdade. Elas têm um papel importante, sim, o compromisso de alocar os recursos, a responsabilidade de fazer com que o processo de reparação e compensação ocorra, mas a governança é muito mais ampla.

    Mas as mineradoras têm algum poder de veto?

    Não. Poder de veto é algo que praticamente não existe nesse processo, de nenhuma das partes. Ele é feito para que se encontrem caminhos, uma instância de negociação permanente. Se o comitê emite uma deliberação e ela não for cumprida, entra-se num caminho de judicialização que ninguém quer. A gente não teve até hoje nenhum caso de confronto que não tenha sido encaminhado por negociação.

    Há um comprometimento muito grande do Comitê Interfederativo, especialmente sob a liderança da doutora Suely [Araújo, presidente do Ibama], para encontrar esses caminhos. A Casa Civil tem atuado como um órgão de arbitragem. Sempre que há algum tipo de conflito aparentemente insolúvel, ela reúne todas as partes, e sempre temos encontrado caminhos.

    Isso indica claramente que ela [Renova] não é uma organização pautada por suas mantenedoras.

    Qual é o valor envolvido?

    Chega a R$ 11,5 bilhões, mas isso é piso, não é teto.

    Após um ano na Renova, acha que isso é pouco ou é muito?

    Hum. [Pausa] Eu acho que é... suficiente. Não tem havido situações de restrição orçamentária para execução do que tem sido demandado. Mas é bom lembrar que nas atividades reparatórias não há teto.

    Se o comitê decidir que algo tem de ser feito e isso ultrapassar os R$ 11,5 bilhões, isso tem de ser pago.

    Desde que previsto no termo de ajustamento de conduta. O Ttac, do qual todas as organizações são signatárias, é bastante preciso sobre o escopo das atividades.

    Chamada depois da lama

    O novo sistema de contenção de rejeitos será confiável e seguro a ponto de permitir a retomada das operações da Samarco?

    Ele não tem nada a ver com a retomada das operações. O sistema de contenção de rejeitos está relacionado exclusivamente à garantia de que o rejeito que ainda ficou lá permanecerá lá.

    Mas ele poderá comportar isso?

    Dificilmente. Acho que não. O desenho que se discute para a retomada da Samarco, e a fundação não participa disso, pressupõe uma tecnologia completamente diferente.

    A missão de regeneração do ambiente atribuída à Renova vai muito além da recuperação do rio Doce, prevê que ele se torne bem melhor do que era antes do desastre. Não haveria mais sentido em gastar parte desse dinheiro para aparelhar o Estado para que fiscalize de perto as barragens de mineração e previna a ocorrência dessas tragédias?

    A segunda parte de sua pergunta tem de ser realizada de qualquer forma, mas não vinculando ao recurso para reparação. A reparação em si faz sentido se ela estiver associada a uma transformação do rio. O rio estava numa situação muito ruim. Fazer todo esse esforço e devolvê-lo para uma situação ruim não faz muito sentido. Essa ambição é uma opção válida.

    Mais que aparelhamento do Estado, acho que se trata de eficiência na execução. Não sei se a alocação de mais recursos é o caminho.

    O que acha do desempenho ambiental do governo Michel Temer? A reação extremada à extinção da Renca [Reserva Nacional do Cobre e Associados] foi mais devida ao sentimento "Fora, Temer" ou ao aumento da consciência ambiental em organizações que anteriormente não tinham essa prioridade?

    Eu acho o seguinte: a agenda ambiental no governo Temer está bastante comprometida pela discussão política. Há sinais importantes de retrocesso. Essa agenda não é só governo, mas do Executivo e do Legislativo, o que aufere a ela legitimidade.

    Não acho que haja indicações de ações não republicanas nesse campo. O que existe sim é um jogo de poder em que a agenda ambiental deixou de ser prioridade e, de certa maneira, anda para trás.

    Há um descuido, aí sim do Executivo, apesar dos esforços do Ministério do Meio Ambiente, para um diálogo mais intenso com a sociedade.

    E não é só sociedade civil, é uma mudança muito grande. Grande parte do empresariado já percebeu a importância de uma agenda ambiental mais avançada, e principalmente a oportunidade dessa agenda. Poucos países do mundo têm condições de produzir commodities como o Brasil num modelo diferenciado, de baixo carbono, e essa oportunidade não está sendo considerada.

    *

    RAIO X

    Idade
    57 anos

    Formação
    Graduação em biologia e mestrado em economia na USP

    Carreira
    15 anos na indústria farmacêutica, 16 anos no setor florestal

    Atividade empresarial
    Criou a empresa Amata em 2007

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