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    Mortes violentas crescem e atingem maior número já registrado no país

    THIAGO AMÂNCIO
    DE SÃO PAULO

    30/10/2017 10h27 - Atualizado às 22h37

    Avener Prado/Folhapress
    Enterro das dez vítimas de ação das polícias Civil e Militar do Pará, na fazenda em Pau d'Arco
    Enterro das dez vítimas de ação das polícias Civil e Militar do Pará, na fazenda em Pau d'Arco

    O número de mortes violentas intencionais registradas no Brasil chegou a 61.619 em 2016, em avanço de 4,7% em relação ao ano anterior. Isso significa que sete pessoas foram assassinadas por hora no país, em média, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgados nesta segunda (30).

    Os dados são tabelados pelo fórum, organização que reúne especialistas no tema, com base em informações fornecidas pelas secretarias de segurança públicas e polícias Civil e Militar dos Estados.

    A taxa média nacional de mortes violentas ficou em 29,9 assassinatos por 100 mil habitantes (em 2013, ela era de 27,8). Os três Estados com maiores taxas são os nordestinos Sergipe (64), Rio Grande do Norte (56,9) e Alagoas (55,9).

    Mortes violentas intencionais

    O critério de mortes violentas foi criado pela entidade para padronizar as informações dos Estados e soma homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais.

    "A violência se espalhou para o país todo. Não é exclusividade dos grandes Estados ou de uma única região. É hoje um problema nacional, faz com que o país se sinta amedrontado", diz o sociólogo e presidente do fórum, Renato Sérgio de Lima.

    "61 mil mortos é o que a gente tem de mais obsceno", na avaliação da diretora-executiva da entidade, Samira Bueno. "É muito sofrimento para uma nação isso estar em segundo plano. Como a gente não priorizou essa agenda com tanta gente morrendo?"

    Mortes Violentas Intencionais - No total, 61.619 mortes violentas intencionais foram registradas em 2016, o que corresponde a 7 pessoas assassinadas por hora

    A alta de mortes aconteceu em meio à forte crise econômica, o que restringiu o orçamento dos Estados. Houve redução nos investimentos em segurança pública feitos por União, Estados e municípios. O total gasto na área em 2016 foi R$ 81 bilhões, queda de 3% em relação a 2015.

    A crise e o aumento da violência, ao mesmo tempo, levaram os Estados a recorrerem à Força Nacional de Segurança Pública, coordenada pelo governo federal. Os gastos nessa área aumentaram 74% em um ano: saltaram de R$ 184 milhões para R$ 319,7 milhões em 2016.

    Mortes violentas - No Brasil, por ano

    Um efeito colateral da crise na segurança são os enfrentamentos e mortes envolvendo policiais. O número de pessoas mortas em ocorrências policiais chegou ao maior número já registrado pela entidade: 4.224 casos, alta de 27% em relação a 2015.

    As maiores taxas desses crimes foram registradas no Amapá (7,5 casos por 100 mil habitantes), Rio (5,6 casos por 100 mil) e Sergipe (4,1). A taxa média do país é de 2 casos a cada 100 mil habitantes.

    O perfil padrão desses mortos é homem, jovem e negro. 99,3% dos mortos em ocorrências policiais são homens, 82% tem entre 12 e 29 anos (17% tem entre 12 e 17 anos) e 76% são negros, segundo levantamento do Fórum.

    "Esses dados são graves porque mostram o quanto a juvente está vulnerável à ação da polícia, e a gente sabe que muitos desses casos não são investigados, então não sabemos o quanto desses casos policiais usaram de fato a força legítima, e quantos foram de fato execuções", diz Samira Bueno.

    Entre 2009 e 2016, 21.897 foram mortos nessas ocorrências –que não incluem chacinas e outros homicídios, apenas casos em que a morte aconteceu durante ação policial.

    "Nós temos jornadas extenuantes, policiais trabalhando sem equipamento obrigatório, com colete vencido, armamento ultrapassado", diz o policial militar e pesquisador do Fórum Elisandro Lotin. "Temos uma sobrecarga de trabalho, desgaste físico e mental dos profissionais hoje nas ruas. Por conta de uma pressão interna e externa. Porque, para a sociedade, bandido bom é bandido morto, e o Estado somatiza isso. Na concepção do policial, ele está fazendo a coisa certa", afirma.

    Mortes decorrentes de intervenções policiais - Taxa por 100 mil habitantes

    Também cresceu o número de policiais civis e militares vítimas de homicídio. Foram 437 em 2016, aumento de 17,5% em relação às 372 mortes em 2015.

    Foram 437 em 2016, aumento de 18% em relação a 2015. A maior parte é negra (56%) –embora brancos ocupem 43% dos policiais mortos– e 64% tem entre 30 e 49 anos. O dado considera apenas policiais na ativa.

    "Boa parte desses policiais morrem em bicos –na necessidade de complementar a renda prestando outros serviços–, ou são executados justamente por serem policiais, ou vão reagir a um roubo por estarem armados", afirma Bueno "O que a gente exige dos nossos policiais? Essa ideia que o policial é policial 24h é uma falácia, que só o coloca em estado de mais vulnerabilidade. Ele é policial no serviço. Fora de serviço, ele precisa ter seus direitos respeitados como um cidadão comum."

    Policiais mortos, em serviço e fora de serviço - Por grupo de mil policiais da ativa

    Outro efeito são os latrocínios, roubos que terminam em mortes, que cresceram 12% no país no último ano.

    Goiás é o Estado que apresenta a maior taxa de vítimas: são 2,8 para cada 100 mil habitantes. Em seguida, vêm Estados do Norte: Pará, Amapá e Amazonas.

    Nas capitais, houve redução de 4% no total de mortes, o que indica uma interiorização da violência, segundo os pesquisadores. Ainda assim, esses crimes cresceram nas capitais de 14 dos 27 Estados.

    Entre as mulheres, foram 4.657 assassinatos, 533 deles registrados como feminicídio. Sancionada em 2015, a lei federal que define o feminicídio transformou em hediondo o assassinato de mulheres motivado justamente por sua condição de mulher. Ela aumenta a pena por homicídio, que é de 6 a 20 anos de prisão, para 12 a 30 anos.

    Foram registrados ainda 49.497 estupros, média de 135 por dia, crescimento de 4,3% em relação aos 47.461 registrado no ano anterior –pesquisas indicam, no entanto, que há altos índices de subnotificação do crime.

    Os pesquisadores destacam a ausência de um sistema nacional que consolide e padronize as informações de segurança pública. "A gente vive, na área da segurança e da Justiça, um apagão estatístico", afirma Lima. "Se o dado não existe, como estamos fazendo política pública? Porque a política pública depende de informação."

    SOLUÇÕES

    Como evitar que as mortes violentas continuem subindo?

    "A ação acontece em duas pontas: primeiro, preciso melhorar a qualidade de vida das pessoas, para deixá-las menos expostas à gramática do crime. Depois que o sujeito comete o crime, devo trabalhar para que não haja reincidência", diz o professor da FGV Rafael Alcadipani, que cita a regulamentação das drogas para diminuir o poder do crime organizado.

    Para Daniel Cerqueira, pesquisador do IPEA, o investimento precisa ser mais em ações de inteligência e menos no que chama de polícia reativa, "espalhada pelas ruas para tentar, via policiamento ostensivo, refrear a violência".

    Olaya Hanashiro, conselheira do fórum, destaca o "papel fundamental" dos municípios em políticas de prevenção, "olhando para os grupos mais vulneráveis". Os municípios, diz, devem trabalhar em resolução de problemas e ter uma guarda preparada para mediar conflitos, "e não uma reprodução do que não está dando certo".

    ROUBOS DE VEÍCULOS

    Os dados divulgados também mostram que houve um roubo ou furto de veículo no país a cada minuto, conforme adiantado pela Folha no sábado (28). Foram 557 mil no ano passado, crescimento de 8% em relação ao ano anterior.

    Considerando a soma de furtos e roubos de veículos proporcionalmente à frota de cada Estado, o Rio é campeão, com taxa de 916,7 crimes do tipo por 100 mil carros -em números absolutos, 58,5 mil casos. Goiás é o segundo.

    Estados com maiores taxas de roubos e furtos* -

    Mapa da morte em São Paulo

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