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    Minha História

    Após perda da mãe para câncer, estudante cria app de ajuda a pacientes

    CLÁUDIA COLLUCCI
    DE SÃO PAULO

    30/07/2017 02h02

    Marcelo Justo/Folhapress
    Cesar Filho, 26, que desenvolveu um aplicativo voltado a pacientes com câncer
    Cesar Filho, 26, que desenvolveu um aplicativo voltado a pacientes com câncer

    RESUMO Após acompanhar a evolução do câncer que matou sua mãe há três anos, o então estudante de biologia Cesar Filho, 26, sentiu-se motivado a desenvolver um aplicativo para ajudar pacientes a monitorar a doença. Cada doente tem um perfil com dados como efeitos colaterais dos remédios e estado emocional. Essas informações são depois analisadas pelo oncologista. A meta dele é atingir 1 milhão de pacientes.

    *

    Sempre tive uma relação muito próxima com minha mãe, mais com ela do que com meu pai. Ela havia estudado até o ensino médio, era servidora pública e sempre estimulou muito que eu e minha irmã tivéssemos mais chances na vida. Costumava dizer que uma caneta é mais leve que uma pá.

    Foi uma situação muito delicada quando minha mãe [Cida, na época com 50 anos] descobriu o tumor de colo de útero, que logo avançou para os ovários. Ela descobriu o tumor um pouco antes do meu aniversário de 23 anos e, na data, estava no hospital.

    Todo o processo da doença foi muito difícil. Minha mãe era heroína na minha vida, da minha irmã Marina e de toda a família. Foi muito rápido e dolorido. Em 11 meses, o câncer a levou.

    Reprodução
    Tela do aplicativo WeCancer
    Tela do aplicativo WeCancer

    Na época eu estudava biologia, com ênfase em biotecnologia, na Universidade Federal do Espírito Santo. Vivia um momento muito legal, fundando a empresa júnior da faculdade, fazendo muitos cursos na Fundação Estudar [organização sem fins lucrativos que atua na formação de novas lideranças] e tentava amortizar no trabalho toda essa dor emocional que estava vivendo.

    Eu ia para casa, no interior de Minas [Muriaé], a cada dez, 15 dias. Cada vez eu encontrava minha mãe diferente. Às vezes, muito mal. Se eu chegava com um pouquinho de perfume, ela enjoava e vomitava. Em outras vezes ela estava ótima, querendo ir passear no shopping comigo.

    Uma coisa que me incomodou durante o tratamento é que minha mãe sofreu hospitalizações que eu julgava que poderiam ter sido evitadas. Ela tinha muitas dúvidas sobre a doença. Não sabia exatamente se o que estava sentindo era importante ou não.

    Como ela fez tratamento pelo SUS, eu até entendo que ficaria difícil ela ter o telefone da médica para tirar essas dúvidas. Eu achava que a extensão do cuidado é importante, dá mais segurança ao paciente e à família.

    Depois que ela morreu, quis muito direcionar o amor e saudade que eu sentia para ajudar outros pacientes. Comecei a pesquisar sobre automonitoramento.

    Li muitos artigos e vi que tinha um impacto muito legal para a saúde do paciente [um estudo canadense aponta, por exemplo, aumento de sobrevida e da qualidade de vida em pacientes com câncer de mama].

    O paciente melhora a doença, tem uma outra forma de se comunicar com o médico.

    E assim nasceu a WeCancer. Disputei uma competição de start-up, fiquei em segundo lugar, ganhei uma bolsa de estudo na Califórnia para um curso de empreendedorismo. Para viajar, vendi brigadeiro na universidade porque não tinha recursos. Montei uma empresa de brigadeiro no laboratório Estudar [da fundação] chamada "Imagine". A gente conseguiu R$ 9.600 no primeiro mês. Foi uma jornada muito legal para esse projeto se tornar realidade.

    Também tive todas as dificuldades que se tem no Brasil para colocar de pé uma ideia. Não tinha time, não tinha recursos. Minha família também não tinha condições de ajudar, então foi uma ralação para poder acontecer.

    O aplicativo foi lançado em dezembro de 2016. Não fiz nada sozinho, foi uma equipe que fez acontecer e que foi fundamental para o desenvolvimento da ideia. Somos três sócios.

    Hoje são duas plataformas: o aplicativo do paciente e o do oncologista, o OncoMD. O paciente reporta diariamente como se sente: se se sentiu falta de ar, qual foi a intensidade, por quantas horas ele dormiu, o que aconteceu de bom e o que ele tem a agradecer.

    Quando ele chega ao consultório, o médico acessa essas informações em gráficos e análises e consegue entender tudo o que o paciente passou desde a última consulta. Os médicos podem também fazer análises comparativas dos sintomas além de comparar sintomas com outras variáveis como sono e exercício físico.

    Em geral, quando o paciente chega na frente do médico, ele não consegue reportar de forma fidedigna tudo o que aconteceu. São tantos efeitos colaterais e um sentimento de medo que ele chega e não sabe se aqueles sintomas são importantes ou não de relatar. Minha mãe tinha muito disso. Chegava em frente da médica e não reportava coisas muito importantes e falava de outras que não eram.

    Começamos o nosso piloto [do aplicativo] na Fundação Cristiano Varella em Muriaé/MG, onde minha mãe havia se tratado. Eles deram muita liberdade para a gente trabalhar, houve muitas atividades de engajamento dos pacientes. Eles usavam o aplicativo mesmo sem a plataforma do médico estar pronta, mostravam para a família como estavam se sentindo e deram muito "feedback", o que ajudou a gente a melhorar o produto.

    Vamos lançar uma nova versão em agosto. O aplicativo é gratuito e sempre será. O paciente já está passando por tanta coisa. Nunca foi nossa ideia cobrar dele.

    A plataforma dos médicos já está pronta e sendo testada em hospitais. A gente teve muito cuidado para ela estar bem embasada cientificamente. Quando estiver pronta, a ideia é vendê-la aos hospitais, reinvestir o dinheiro e conseguir atingir mais pacientes.

    Em setembro, vamos apresentar o projeto no maior congresso de medicina baseada em evidências do mundo, na África do Sul. Nosso sonho é ajudar 1 milhão de pacientes e conseguir comprovar que a gente consegue ajudá-los a viverem mais e melhor.

    dias melhores

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