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    Cientista modifica forma de bactérias para combatê-las

    PHILLIPPE WATANABE
    DE SÃO PAULO

    07/10/2017 02h02

    "Nature Communications"
    As figuras na parte superior da imagem mostram bactérias normais; as na parte inferior, bactérias depois de introdução de mutação
    Na parte superior da imagem, bactérias normais; na parte inferior, bactérias depois de mutação

    Uma braguilha aberta costuma ser uma situação extremamente incômoda, tanto para si mesmo quanto para os outros. Para bactérias, contudo, além de não haver timidez, deixar o "zíper" aberto é essencial para a sobrevivência delas. A ideia que cientistas tiveram é fechar esses "zíperes" para sempre.

    Em uma linguagem mais científica, os pesquisadores descobriram uma forma de bloquear, pelo menos em parte, o complexo proteico elongassoma, responsável pelo desenho alongado de bactérias que têm formato de bastão.

    Andréa Dessen, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPem), e outros cientistas descobriram que a interação de duas proteínas –a PBP2 e a MreC– tinha um papel central na estabilidade desse formato de bacilo. Começaram, então, a tentar interferir nessa união.

    Superbactérias

    "Tentamos entender como a casa é montada para depois bolarmos uma maneira de destruí-la", afirma Dessen, autora do estudo –apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)– publicado nesta semana na revista científica "Nature Communications".

    Para isso, tiveram que espionar a vida íntima das bactérias com uma técnica chamada cristalografia de raios-X –método de captura de imagens em nível atômico, parente distante da criomicroscopia eletrônica, método que rendeu o Nobel de Química na última quarta (4).

    O resultado da aventura foram diversas visualizações de "zíperes moleculares" se abrindo. Basicamente, a proteína MreC se aproxima da PBP2 e as estruturas desta começam a se afastar, se abrem por interações hidrofóbicas –como se fosse um zíper.

    A ideia, então, foi "quebrar" o zíper, mantendo ele definitivamente fechado. Com isso, segundo, Dessen, a bactéria não ganharia o formato alongado, tornando-se mais "gordinha", diminuindo a chance de divisão celular e fazendo com que ela morresse mais rápido.

    Os cientistas, em testes in vitro, conseguiram quebrar o zíper com a introdução de mutações nas áreas de contato que desativavam a interação entre elas. Restava saber se o mesmo ocorreria em testes com as próprias bactérias.

    A segunda bateria de testes, que corroborou a primeira, ocorreu no Instituto Pasteur, na França.

    "Foi fantástico! Aquele tipo de momento de 'Ahá!'", diz Dessen. "Foi mágico compreender que se descobrirmos um fármaco que se coloca entre duas proteínas, isso pode ser um antibiótico bem diferente do que está no mercado."

    Segundo Marcos Cirillo, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, as bactérias em formato de bacilo são as que mais causam infecções hospitalares e as que mais preocupam quando o assunto são as chamadas superbactérias, ou seja, organismos resistentes a vários antibióticos.

    Este ano, pela primeira vez, a OMS (Organização Mundial da Saúde) publicou uma lista de superbactérias que ameaçam a humanidade. O órgão da ONU também fez um apelo pelo desenvolvimento de novos antibióticos. Hoje cerca de 700 mil pessoas morrem por ano por bactérias resistentes.

    Cirillo diz que há esforço da indústria para desenvolver novos remédios, mas só até certo ponto, já que antibióticos não são economicamente vantajosos. "Se você tem diabetes, hipertensão, você vai tomar remédio sua vida inteira. A indústria foca nesses produtos que o paciente vai tomar por mais tempo e não corre o risco de desenvolver resistência."

    "Por enquanto essas cepas resistentes, estão sendo controladas, mas não vai durar muito tempo. Realmente é preciso ter um investimento sério em alternativas", afirma Dessen, que agora tenta ampliar sua pesquisa e o leque de opções de combate às bactérias.

    ZÍPER QUEBRADO

    Cientistas descobrem mecanismo que define forma e sobrevivência de bactérias

    É O MELHOR PARA PODER CRESCER...

    Luciano Veronezi/Editoria de Arte/Folhapress

    Cientistas confirmaram que a relação entre as proteínas MreC e PBP2 é essencial para a formação da parede celular alongada das bactérias

    A MreC é uma espécie de "zíper molecular"

    Quando a proteína MreC se aproxima, certas estruturas da PBP2 se afastam

    Quando o "zíper" não emperra, as bactérias ganham a estrutura de bastão e têm vida normal

    SACO VAZIO NÃO PARA EM PÉ

    Os cientistas então tiveram a ideia de emperrar o "zíper" de propósito

    Para isso, desativaram a interação de afastamento entre as duas proteínas

    Com o "zíper" quebrado, o processo de alongamento das bactérias não ocorre

    Com o desenvolvimento comprometido, as bactérias crescem menos e ficam "gordinhas"

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