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    Minha História

    Depois de 'ressuscitar', é impossível voltar igual, diz Maya Gabeira

    DEPOIMENTO A...
    MARCEL MERGUIZO
    ENVIADO ESPECIAL A KUALA LUMPUR (MALÁSIA)

    29/03/2014 12h30

    Em 28 de outubro do ano passado, a carioca Maya Gabeira, 26, tentava surfar uma onda gigante que tinha entre 21 e 24 metros em Nazaré (Portugal) quando caiu. No acidente, ficou inconsciente e foi resgatada pela equipe de apoio ainda no mar, desacordada.

    Maya tentava quebrar o recorde mundial, acabou com o tornozelo direito fraturado e voltou a surfar no início deste ano.

    Em Kuala Lumpur, na Malásia –onde concorreu, mas não ganhou o Prêmio Laureus, considerado o 'Oscar do esporte'– ela afirmou que vai voltar a surfar ondas gigantes em Nazaré.

    *

    A vida está movimentada desde o acidente. Quando me reabilitei fui direto para o Havaí, em dezembro. Surfei bastante janeiro, fevereiro e no começo de março comecei a trabalhar pra caramba. Fiz campanhas publicitárias, gravei documentário.
    Agora vim dos Estados Unidos para a Malásia, depois vou ficar uns 20 dias no Rio e volto para eventos em Washington, Los Angeles. Então tenho uma temporada de surfe, mas não sei para onde vou.
    Sem andar eu fiquei dois meses, de muleta. E voltei a surfar com dois meses e 15 dias.
    Não operei. Porque foi uma fratura bem alinhada, ficou todo quebrado mas em espiral. Fiz dois meses e meio de fisioterapia, todo dia.
    A perna está um pouco mais fraca e o joelho está um pouco instável ainda.

    VOLTA A NAZARÉ

    Vou voltar este ano para Nazaré. Outubro é um bom mês porque é o primeiro da temporada com ondas grandes, mas sem o tempo ruim e ventos.
    Não tenho o objetivo de voltar para surfar a maior onda do mundo. Vou voltar para surfar, para treinar, para continuar a evolução ali naquele lugar. Até porque, na vez do acidente, não era para pegar aquelas ondas. A gente foi mapear o lugar.
    Eu tinha a cabeça no recorde, porque eu tinha que bater o meu próprio recorde que era 45 pés (15 metros, aproximadamente) e eu sabia que qualquer dia médio ali dava. A que eu caí dizem tinha entre 70 e 80 pés (21 e 24 metros), não tem como saber porque não cheguei na base.
    Eu queria bater o meu recorde, que é o recorde feminino mundial. O recorde é meu, de 2009, mas não foi registrado no Guinness Book porque não tinha vídeo.
    No nosso esporte dependemos muito da natureza, não adianta querer ir lá e dizer: "vou bater o recorde no mês de outubro de 2014". É impossível. Mas vou estar preparada. Se você estiver lá e a onda vier, você vai pegar.
    O que vai acontecer, não sei?
    Medo não tenho, mas não é o objetivo da viagem ir lá ficar parada para bater recorde.
    Vamos voltar na mesma época. Um ano depois. Estamos vendo quem vai fazer o documentário, mas vai a mesma turma. Foi dia 28. Vamos dia 10 e ficaremos até o final de novembro desta vez.
    Vamos levar uma outra equipe de segurança a mais. Ano passado éramos dez ou 12, porque estávamos produzindo dois documentários diferentes. Agora vão mais duas pessoas em mais um jet ski, para fazer o resgate toda vez que eu cair.

    PREPARADA PSICOLOGICAMENTE

    Tenho psicóloga, sim, mas há muitos anos. Depois do acidente ela trabalhou muito o trauma.
    Meu trauma não era com pesadelo, "flashbacks", era só uma nova concepção de vida.
    É uma nova vida.
    Depois de 'ressuscitar', é impossível você voltar igual. Ainda mais quando você é ressuscitado, fazendo seu trabalho, que é perigoso, e você tem que voltar a trabalhar e fazer a mesma coisa.
    Agora não estou preparada, mas ainda tenho oito [sete] meses até lá. A gente se prepara uns três meses antes. Ainda dá para me afastar muito e voltar. Um ano é o mínimo, poderia até ficar dois anos para me afastar ainda mais dos acontecimentos, mas um ano vai ser tranquilo.

    TRABALHO

    Este ano intensificou muito o número de trabalhos. Meus patrocínios não mudaram, só aumentaram os trabalhos pontuais relacionados a minha imagem. Não patrocínios que me ajudam no dia a dia.
    Eu já tinha dado palestra antes. Mas fui chamada novamente. Fui chamada para duas agora que não vou poder fazer porque não encaixa no meu cronograma.
    Estou tentando deixar maio livre para surfar. Junho, julho e agosto também, mas como estarei baseada no Brasil consigo trabalho e viajo para algum lugar surfar.

    FAMÍLIA E SONHO

    Eu sempre sonhei em pegar uma onda enorme como a de Nazaré. Era uma coisa que estava na cabeça desde pequena, mas não é algo que se você me parasse e fizesse uma entrevista há três anos e eu não ia te falar que meu sonho era pegar uma onda de 80 ou 70 pés. Mas acho que estava no inconsciente. E eu sonho pra caramba, quando viajo sonho alto.
    Meus pais não comentaram nada comigo [sobre parar depois do acidente]. Minha mãe muitas vezes me dava uns verdes. Quando cheguei do acidente ela falava: "Não aguento mais sair na rua e as pessoas ficam me pressionando para falar que você tem que parar de surfar". E ela me olhava assim, esperando... É mãe, não vai acontecer. Daí uma hora ela parou, mas nem ela nem meu pai nunca me questionaram.
    Minha irmã foi quem sonhou que eu morria quatro dias antes do acidente. E eu estava tão avoada, tão no momento, que eu nem lembrava. E ela me falou sobre o sonho.
    Minha irmã [Tami] é psicóloga, é mais velha. Ela me ligou enquanto eu estava na Europa, indo para a Califórnia e falou: "Tive um sonho, não sei se era para eu te falar, mas vou ter que te falar". Ela disse que o sonho acabou lindo e a última cena era o olho de uma baleia. Daí ela acordou e só lembrava daquela baleia linda e não tinha minha morte no sonho. Mas ela e minha mãe viviam sem minha presença, e choravam muito, mas viviam. E no final passava a baleia. Mas ela falou para eu ficar tranquila porque a baleia era muito linda...
    Não me afetou. Entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
    Mas, quando cheguei ao Brasil, ela me perguntou se ela tinha me prejudicado. E eu nem lembrava.

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