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    Ex-capitã da seleção brasileira vira motorista de ônibus no Rio de Janeiro

    (...)Depoimento a
    FELIPE DE OLIVEIRA
    DO RIO

    17/05/2015 02h00

    RESUMO - Após representar a seleção feminina de futebol em três Copas do Mundo, em sul-americanos e em uma Olimpíada, Elane dos Santos, 48, agora encara o trânsito da cidade do Rio de Janeiro.

    Sem opções após o clube onde jogava acabar com a equipe feminina, ela decidiu pendurar as chuteiras, tirou uma carteira de habilitação tipo "D" e virou motorista de ônibus, profissão que exerce com orgulho até hoje no Rio.

    Ricardo Borges/Folhapress
    A ex-zagueira da seleção brasileira, Elane dos Santos Rego, hoje trabalha como motorista de ônibus na cidade do Rio de Janeiro
    A ex-zagueira da seleção brasileira, Elane dos Santos, trabalha como motorista de ônibus no Rio

    *

    Minha vida sempre foi um pouco diferente. O que mais amava era jogar futebol. Mesmo sendo menina, sempre fui uma das primeiras a ser escolhida nas partidas.

    Futebol sempre foi um hobby, até que um dia, jogando na rua da minha casa, um olheiro me viu e disse que tinha talento e me chamou para jogar em um clube. Tinha apenas 15 anos, mas deste dia em diante minha vida nunca mais foi a mesma.

    Quando falei para minha família que queria jogar futebol, cheguei a ficar com medo, mas desde o início tive apoio. Meus irmãos amaram a ideia e iam comigo em todos os treinos. Nos jogos, toda família ia.

    Quando entrei em campo pela primeira vez, foi emocionante. Nunca havia imaginado que uma menina poderia entrar em um gramado, jogar em um estádio e muito menos vestir a camisa da seleção brasileira.

    Comecei no São Cristóvão (RJ). Após três jogos, apareceu um pessoal do Bonsucesso (RJ) e me levou para lá. Depois, fui para Portuguesa (RJ) e, por último, para o Radar (RJ), que foi meu último clube antes da seleção.

    Meu dia a dia era muito complicado. Morava na zona oeste do Rio, tinha que pegar três ônibus e um trem para chegar até o clube. Voltava tarde da noite, mas ia todos os dias feliz da vida. Queria jogar, mesmo tendo que fazer esse sacrifício.

    Quando a primeira seleção foi montada para jogar o pré-mundial na China, em 1982, eu era muito nova, tinha apenas 17 anos, achava que não teria a menor chance. Mas uma zagueira se machucou e fui convocada. Foi um sentimento inacreditável, fui representar meu país.

    Era um desafio para todas, nenhuma tinha saído do país. Foram as melhores seleções e algumas que nem conhecíamos, como a dos Estados Unidos. Não tínhamos apoio, mas ainda conseguimos um terceiro lugar.

    Depois que voltei da seleção conheci outras pessoas, dirigentes e acabei indo para São Paulo, onde morei por 15 anos. Nos grandes clubes, joguei no Santos, no Corinthians e no São Paulo. Joguei três Copas do Mundo, três sul-americanos e a Olimpíada. Me sentia realizada.

    FIM DO TIME

    Estava no São Paulo quando acabaram com o time e minha vida parou. Tive que voltar para o Rio. Minha vida virou de cabeça para baixo.

    Ainda tentei trabalhar em um projeto de uma escolinha com outra jogadora que morava perto da minha casa, mas era temporário e não assinavam a carteira.

    Precisava dar uma estabilidade à minha vida quando decidi largar tudo e tentar algo diferente. A única coisa que sabia fazer era dirigir.

    Tirei a carteira "D" e decidi virar motorista de ônibus. Apareceu uma oportunidade, fiz um teste e virei motorista.

    Esse nunca foi meu projeto de vida. Mas foi a oportunidade que me apareceu. Estou há oito anos e me sustento fazendo isso. Tenho orgulho do que faço, mas quando parei de jogar futebol, foi o período mais difícil da minha vida. Sinto falta de ter estudado mais, mas tive que largar meus estudos muito cedo e me arrependo.

    Passei 12 anos jogando pela seleção e nunca recebi nenhuma ajuda. Fico triste pois vejo tantos ex-atletas homens trabalhando como olheiros, dentro dos clubes e federações, e nós fomos esquecidas. Fico triste pois vejo que nada mudou. Até hoje as atletas não têm apoio.

    Temos a Marta que foi eleita cinco vezes a melhor do mundo, mas não há uma continuidade. Não temos ninguém que possa substituí-la.

    Hoje meu desafio é outro. Antes, era capitã da seleção brasileira e tinha que dar minha cara a tapa. Agora, sou responsável por levar vidas dentro de um ônibus.

    Não esqueci o que vivi no futebol. Algumas pessoas até me questionam. Como alguém que defendeu tanto o país em várias competições vira motorista de ônibus? Não tenho o que dizer, infelizmente, é a realidade do meu país.

    Acordo 3h30, só tenho uma folga por semana e todos os dias tenho que estar deitada às 21h para dormir. Não é uma vida perfeita, tenho que ter garra, lutar e persistir. Aprendi isso defendendo as cores do meu Brasil.

    Sofro, sinto saudade de tudo que vivi e faria qualquer coisa para lutar pelo meu esporte. Vivi dias felizes e, se tivesse que voltar aos meus 20 anos e fazer tudo de novo, não pensaria duas vezes.

    Tive uma boa carreira, realizei sonhos, representei meu país e fui vencedora. Embora não tenha colhido os frutos, faria tudo novamente. No meu coração, sempre lembrarei os dias em que fui capitã da seleção brasileira.

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