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    Clube de Kaká oferece cota de estádio em troca de 'green card' nos EUA

    KEN BELSON
    DO NEW YORK TIMES, EM ORLANDO, FLÓRIDA

    17/05/2016 17h00

    Loren Elliott/NYT
    O novo estádio do Orlando City, que está sendo construído no bairro de Parramore, em Orlando
    O novo estádio do Orlando City, que está sendo construído no bairro de Parramore, em Orlando

    Por anos, equipes esportivas tentaram cobrir os custos multimilionários de estádios novos solicitando a torcedores que adquirissem cadeiras cativas em valor de milhares de dólares, o que lhes conferiria o direito de comprar passes para toda uma temporada de jogos a preços favoráveis.

    Flávio Augusto da Silva está levando o conceito um passo adiante. Naquele que pode ser o primeiro grande projeto desse tipo, Silva, sócio majoritário do Orlando City, um time da Major League Soccer (MLS), a primeira divisão do futebol masculino profissional dos Estados Unidos, está buscando investidores no Brasil, China e outros países, que pagarão US$ 500 mil por uma cota do estádio que ele está construindo perto do centro de Orlando.

    Em troca, os investidores estrangeiros receberão dividendos anuais, dois passes para a temporada completa e algo de ainda mais valioso: um green card que permite que eles, seus cônjuges e em certos casos até seus filhos vivam e trabalhem nos Estados Unidos.

    A oferta de vistos é legal, e usa um programa federal criado 25 anos atrás conhecido como EB-5, que está de novo sob escrutínio no Congresso. Criado em 1990, o objetivo do programa era ajudar a pagar por projetos de infraestrutura em áreas rurais e bairros urbanos pobres. Depois que o crédito bancário desapareceu por conta da última recessão, incorporadores de imóveis passaram a recorrer ao programa para financiar hotéis, condomínios e outros projetos, de Manhattan a Miami. Como resultado, o número de vistos EB-5 concedidos cresceu a quase nove mil no ano passado, ante menos de 100 em 2003.

    Silva, porém, está construindo um estádio de futebol de US$ 156 milhões, e não um shopping center ou edifício residencial, e o está divulgando no exterior não porque haja escassez de crédito, mas porque os legisladores da Flórida recusaram subsídios para a construção do estádio no bairro de Parramore, Orlando.

    "Para nós, foi uma decisão de negócios", disse Silva, que antecipa levantar cerca de metade do capital necessário à construção por meio do programa de vistos. "Já havia demanda, de pessoas que queriam se mudar para os Estados Unidos, ter um green card e uma boa oportunidade de participar do desenvolvimento do clube".

    O uso do programa de vistos pelo Orlando City, criticado por um importante político republicano em março por estar "eivado de corrupção e vulnerabilidades de segurança nacional", representa uma nova abordagem para times que buscam novas maneiras de bancar estádios sem apoio financeiro das comunidades em que eles se localizarão, já que as autoridades locais estão sob pressão dos eleitores contra o uso de dinheiro público para ajudar proprietários ricos.

    Verbas do EB-5 ajudaram a pagar pelas obras de infraestrutura conectadas ao Barclays Center, em Brooklyn, mas não pelo ginásio em si. Incorporadores haviam tentando anteriormente usar o EB-5 para financiar projetos de estádios, na Flórida, Califórnia e outros locais, mas encontraram obstáculos, entre os quais o ritmo imprevisível de aprovação dos investidores EB-5, em projetos que em muitos casos precisam respeitar cronogramas rigorosos.

    O projeto de Orlando inclui um estádio de 25 mil lugares, que deve ser inaugurado na temporada 2017 do Orlando City e do Orlando Pride, time feminino controlado por Silva e seu sócio Phil Rawlins. Originalmente, a cidade e o condado concordaram em subsidiar o projeto. Mas quando legisladores estaduais hesitaram em aprovar um incentivo fiscal relacionado ao imposto sobre vendas, Silva se voltou ao programa EB-5, algo que o prefeito de Orlando, Buddy Dyer, celebrou.

    Loren Elliott/NYT
    Phil Rawlins, sócio de Flávio Augusto da Silva no Orlando City
    Phil Rawlins, sócio de Flávio Augusto da Silva no Orlando City

    A solução do time "terminou por ser vantajosa para todos", disse Dyer em seu escritório, perto do local de construção, um terreno de 4,2 hectares no qual a estrutura do estádio já está tomando forma. "O que digo a outros prefeitos é que sou o prefeito mais feliz dos Estados Unidos, e explico a história toda, incluindo o futebol".

    Silva estava informado sobre o programa EB-5 porque obteve o seu green card em 2009 ao investir em um projeto em Vermont, que veio a enfrentar dificuldades. Embora a demanda mais forte por vistos EB-5 venha da China, Silva, que fez fortuna criando uma cadeia de escolas de inglês em seu Brasil natal, decidiu que privilegiaria os seus compatriotas.

    Os argumentos de vendas de Silva se beneficiaram de anos de tumultos políticos e econômicos no Brasil, que levam parte da elite do país a buscar maneiras de transferir seu dinheiro ao exterior.

    O clube diz já ter atraído 30 investidores, o que representa US$ 15 milhões, ou 10% do custo do projeto. Rawlins, o fundador do time e seu presidente, disse que cerca de US$ 5 milhões em novos contratos são fechados a cada mês.

    "Não sei por que as pessoas não estão aproveitando mais essa oportunidade, já que é o método perfeito de construir um estádio", disse Rawlins sobre o programa de vistas. "O programa na verdade promove o desenvolvimento econômico".

    Mark Abbott, comissário assistente da MLS, disse que a liga havia estudado a proposta de financiamento e a considerava "inovadora".

    "A liga não permite esse tipo de financiamento para clubes", disse Abbott. "Mas para projetos de estádios, consideramos que fosse apropriado".

    Além de suas participações na empresa que opera o estádio, os investidores receberão dois passes para temporada completa por 10 temporadas. (Os investidores não têm controle sobre o clube, que é administrado por uma empresa separada.) Mas Silva e outros não contestam que o verdadeiro atrativo eram os vistos.

    Usar o programa EB-5, porém, pode ser complicado, porque o local de construção precisa ser uma área de alto desemprego. Para se qualificar para essa forma de financiamento, os limites de distritos são ocasionalmente manipulados para criar um bairro economicamente problemático (mas essencialmente artificial).

    Os incorporadores também precisam investir dezenas de milhões de dólares de dinheiro próprio para iniciar a construção, porque a aprovação de um visto EB-5 pelo governo pode levar meses ou até anos. Os candidatos a vistos precisam passar por uma verificação de antecedentes, provar que o projeto é viável e criará pelo menos 10 empregos por visto concedido. Os vistos podem se tornar permanentes depois de um período cautelar de dois anos.

    Alguns assessores financeiros recomendam que estrangeiros interessados em investir US$ 500 mil em um projeto imobiliário optem por um hotel, shopping center ou outro investimento seguro –qualquer coisa que não um estádio esportivo, cujo principal ocupante terá resultados imprevisíveis.

    "Quando os times ganham jogos e títulos, ótimo, mas se isso não acontecer o fluxo de caixa pode mudar", disse Michael Gibson, que assessora estrangeiros que investem em projetos EB-5. "Por que investir nisso se você pode investir em algo mais firme?".

    Não se sabe por quanto tempo outros proprietários de clubes esportivos ainda disporão do programa EB-5 como opção de financiamento. O programa está enfrentando questões no Capitólio, onde os legisladores estão tentando fechar lacunas que permitem que dinheiro seja tirado de áreas necessitadas e encaminhado a áreas mais prósperas. Alguns projetos bancados pelo EB-5 se tornaram trapaças, produzindo pouco ou nenhum benefício econômico. Em outros casos, investidores estrangeiros acusaram incorporadores de malversação de fundos, e de não pagar o retorno prometido.

    Por enquanto, os oponentes do programa não conseguiram os votos necessários a reformá-lo ou revogá-lo, e por isso outros times poderão seguir o caminho aberto pelo Orlando City.

    Na MLS apenas, um grupo liderado por David Beckham, antigo astro do futebol inglês, vem tentando há anos criar um plano para um estádio em Miami, e proprietários de times em Nova York, Los Angeles e Washington estão em diversos estágios do mesmo processo.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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