Claudio Fábian Tapia, 49, se irritou aos poucos. A raiva cresceu a cada pergunta. Até que explodiu. "Quem diz que o novo presidente da AFA é um ex-varredor de rua é um retardado", disse dias após ser eleito para comandar a Associação de Futebol Argentino, em março.
A reclamação era por supostamente ser de vítima preconceito. Mas a menção é verdadeira. O novo homem forte da seleção duas vezes campeã do mundo varreu ruas em Buenos Aires. Chegou ao poder pela crise, falta de união dos grandes e porque tem em torno de si a unanimidade dos pequenos.
Apelidado de "Chiqui" por causa da baixa estatura quando era atacante, foi presidente por 16 anos do Barracas Central, um clube que disputa a B Metropolitana na Argentina. A terceira divisão do país.
Marcelo Capece-10.abr.2017/AFP | ||
Claudio Tapia deixa a sede da AFA após reunião com o ex-técnico da seleção, Edgardo Bauza |
Ele assume a AFA no momento em que a seleção vive uma crise. Em 5º lugar das eliminatórias, corre o risco de não ir à Copa na Rússia. "Ele soube ouvir os anseios de todos os clubes. Não apenas dos grandes", disse Martín Camarero, vice-presidente do Brown de Adrogué, da segunda divisão.
No futebol brasileiro, o caso que mais se aproxima do vivido por Tapia é o de Nabi Abi Chedid, dirigente da CBF entre 1986 e 1989. Comandava de fato o futebol do país. Presidente do Bragantino, ele já havia sido mandatário da Federação Paulista. Fez sua equipe chegar ao título estadual de 1990 e vice nacional em 1991. O Barracas Central de Tapia nunca esteve sequer na elite argentina.
Esperto na política, percebeu haver um vácuo no poder. Também viu que os grandes clubes estavam perdidos, sem comando. Não conseguiam se entender para escolher o sucessor de Julio Grondona, o capo do futebol local entre 1979 e 2014, quando morreu.
Sem consenso, a AFA foi governada por uma junta diretiva. Esta tentou realizar uma eleição para o novo presidente em dezembro de 2015. Estavam habilitados a votar 75 dirigentes. O resultado desafiou a matemática: empate com 38 votos para Marcelo Tinelli e 38 votos para Luis Segura. Setenta e seis cédulas haviam sido colocadas na urna.
"Não pode ser. Não acredito...", murmurava o presidente da junta diretiva, Armando Perez, ao receber o papel com o resultado. Até hoje, não se sabe quem votou duas vezes.
Foi neste momento que Tapia percebeu: poderia ser o presidente. Ele apoiava Luis Segura, mandatário do Argentinos Juniors entre 2002 e 2014. Costurou acordo a garantir que todas as equipes das divisões de acesso estivessem ao lado do candidato.
Foi Carlos Aguirre, presidente do All Boys, da segunda divisão, quem lhe abriu os olhos. "Por que você não se candidata, Chiqui?"
Aguirre tinha tanta razão que Tapia foi eleito como candidato único após montar alianças que envolveram também peixes graúdos de grandes clubes, como Daniel Angelici (presidente do Boca Juniros), Marcelo Tinelli (vice do San Lorenzo) e Hugo Moyano (presidente do Independiente), seu sogro.
"Os times maiores, como possuem mais interesses, têm divisões mais profundas. Os clubes das divisões de acesso sabem que se não estão unidos, são comidos pelos grandes", afirma o jornalista Ezequiel Fernandez Moores, colunista do diário La Nación, de Buenos Aires.
INFLUÊNCIA
A vida de Tapia mudou quando, ainda atacante baixinho e troncudo do Barracas Central, conheceu e se casou com Paola Moyano. Ela é filha de Hugo Moyano, na época o sindicalista mais poderoso do país, secretário geral do sindicato dos caminhoneiros e manda-chuva da CGT (Confederação Geral do Trabalho).
Hoje ainda é um dos "representantes dos trabalhadores" mais respeitados e temidos. Além do poder de parar a Argentina (algo que sempre fazia questão de ressaltar), sua influência está retratada na frase que disse a então presidente da República Cristina Kirchner, na Casa Rosada e reproduzida no livro "Él y Ella", do jornalista Luis Majul.
"Você só não está presa porque seu marido se pendurou no saco de um juiz!", ele teria berrado para Cristina, citando caso de corrupção arquivado pelo judiciário por influência do seu marido, o também ex-presidente Néstor Kirchner.
Graças a Hugo Moyano, Tapia começou a crescer no sindicato assim que parou de jogar. Passou a ser dirigente do Grêmio dos Caminhoneiros. Foi onde teve uma desavença com Pablo Moyano, seu cunhado e secretário geral adjunto do sindicato.
Ao voltar para o Barracas Central como presidente, levou junto o dinheiro e patrocínio do Grêmio dos Caminhoneiros. Acordo que permanece até hoje. O estádio da equipe se chama Claudio Fábian Tapia e o letreiro é grande. Bem maior do que o nome do clube.
Foi no distrito de Barracas, em Buenos Aires, que começou a angariar influência pessoal, à parte daquela que emanava do sogro. Nas reuniões da AFA, se sentava no fundo, sem ser notado. Observava o estilo de Julio Grondona. Oferecer favores para ganhar confiança e dívidas que poderiam ser cobradas depois. Era da troca de "gentilezas", principalmente com os pequenos, que vinha a força do cartola. Até hoje, três anos após sua morte, ele ainda é chamado de don Julio, como se estivesse vivo.
O novato aprendeu. Clubes do acesso com problemas em seus estádios necessitavam de ajuda, tinham no presidente do Barracas Central um amigo. Ele cedia o campo de sua equipe para jogos de terceiros, sem cobrar nada. Cartolas em apuros sabiam que poderiam contar com pelo menos um telefonema de Chiqui Tapia. Não apenas dirigentes. Quando a seleção argentina perdeu nos pênaltis para o Chile no ano passado, na Copa América Centenário, ele era um dos poucos dirigentes presentes no vestiário, nos Estados Unidos.
"Chiqui Tapia ganhou nosso respeito", disse o técnico Gerardo Martino. Quando isso aconteceu, ele já estava na caminhada para ser presidente da AFA.
COMEÇO
Claudio Tapia nasceu em San Juan, próximo à cordilheira com o Chile, em situação de pobreza. Sua primeira casa foi na rua Mendoza Norte, a poucos metros do estádio Hilario Sanchez, do San Martin, seu clube do coração. Uma paixão que hoje divide com o Boca Juniors. Ele começou a acompanhar o clube mais popular do país ao se mudar para Buenos Aires, aos 13 anos. Foi à capital para fugir do desemprego.
Hoje, ele e cada membro de sua família têm cadeiras cativas no estádio de La Bombonera, casa do Boca. Chuqui conseguiu se tornar um jogador profissional, mas sem grande sucesso. Era centroavante de estilo trombador. "Lembrava Rámon Ábila, que hoje está no Cruzeiro", diz Moores.
Casado, entrou no sindicalismo por causa do sogro. Pelo Grêmio dos Caminhoneiros, se aventurou ao futebol. Por causa disso, se transformou em um dos homens mais poderosos da Argentina.
"Ele com certeza tem o cargo mais importante do futebol argentino, mas isso não significa ser o mais poderoso. Temos de lembrar que os vices na AFA são Daniel Angelici e Hugo Moyano. E ainda há Marcelo Tinelli que se afastou da seleção", observa Alessandro Cazar, repórter do La Nación e encarregado da cobertura dos bastidores da AFA.
Tapia tem o bônus do cargo, mas muitos ônus. Precisa levar a Argentina para a Copa do Mundo da Rússia, em 2018 (atualmente, a seleção está em quinto nas eliminatórias). Tenta convencer Jorge Sampaoli a ser o novo técnico da equipe. Tem de resolver as pendências financeiras da associação, que não são poucas.
Os auxiliares de Martino, que deixou a seleção no ano passado, cobram na Justiça US$ 3 milhões de salários não pagos. Vai ser o responsável por consolidar o contrato de US$ 100 milhões para os direitos de televisionamento do futebol local pelos próximos cinco anos. Dinheiro que os clubes necessitam de forma desesperada.
Nada mau para um ex-varredor de rua.
Tapia chegou ao poder, porque deu um passo à frente em comparação ao estilo Grondona. Don Julio fazia tudo pelos times da província de Buenos Aires. Quando criou um campeonato nacional com 30 equipes e foi questionado sobre o descontentamento dos dirigentes fora da área de influência da capital, disse a célebre frase:
"Não me importa um caralho os clubes do interior!" Ao assumir o cargo, a primeira coisa que Claudio Tapia, o filho de San Juan, disse, foi: "A AFA é de todos."