-
-
Esporte
Saturday, 21-Dec-2024 10:21:02 -03Filha de primeiro bicampeão olímpico do Brasil critica descaso com seu pai
NAIEF HADDAD
DE SÃO PAULO21/07/2017 02h00
Em 23 de julho de 1952, as cerca de 70 mil pessoas que tomavam as arquibancadas do Estádio Olímpico de Helsinque, na Finlândia, presenciaram uma proeza histórica.
O brasileiro Adhemar Ferreira da Silva, então com 25 anos, havia obtido índice para a disputa final do salto triplo. Ele saltou seis vezes e bateu o recorde mundial em quatro delas. Marcou 16,05 m, depois 16,09 m, 16,12 m e, enfim, 16,22 m.
"Da Silva, Da Silva", gritava o público, como registrou a jornalista Tânia Mara Siviero na biografia "Herói por Nós" (editora DBA).
O paulistano se tornou o primeiro campeão olímpico da história do atletismo no país. Antes dele, só Guilherme Paraense, do tiro, havia conseguido o ouro em uma edição dos Jogos, na Antuérpia (Bélgica), em 1920.
Depois de 65 anos da conquista em Helsinque, Adyel Silva, a filha única de Adhemar, afirma que o COB (Comitê Olímpico do Brasil) ignora a memória do seu pai.
Nascido em 29 de setembro de 1927, Adhemar completaria 90 anos daqui a dois meses. Apesar da efeméride, não há previsão de homenagens, de acordo com Adyel, 61.
O desapontamento da filha não vem de hoje. "É uma desfaçatez o país inaugurar aparelhos olímpicos [instalações esportivas dos Jogos de 2016] e não batizar nenhum com o nome do atleta que trouxe o segundo e o terceiro ouros olímpicos para o Brasil."
A terceira medalha a que Adyel faz menção foi obtida em Melbourne, na Austrália, em 1956 (além de Helsinque e Melbourne, ele participou de Londres-1948 e Roma-1960, mas não chegou ao pódio nessas duas).
Ao longo do século 20, nenhum outro brasileiro igualou Adhemar como bicampeão olímpico. O feito só foi alcançado em Atenas-2004 pelos iatistas Robert Scheidt, Torben Grael e Marcelo Ferreira e pelos jogadores de vôlei Giovanni e Maurício.
Adyel continua: "O Nuzman [Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB] deveria ser questionado: por que nada foi feito [em relação ao Adhemar]? Não sei, mas acho horroroso."
O COB preferiu não responder diretamente às críticas dela, mas lembrou que há um prêmio que presta tributo ao atleta.
Karime Xavier/Folhapress Adyel Ferreira da Silva, filha de Adhemar Ferreira da Silva, que completaria 90 anos em 2017 SEM CONVITE
Segundo Adyel, o desrespeito da entidade pelo seu pai se estende por décadas.
Meses antes dos Jogos de Munique, em 1972, o Comitê Olímpico Alemão enviou, segundo ela, um convite para que Adhemar fosse ao país. Mas o convite, como de costume, chegou ao COB, que não o repassou para Adhemar, sempre segundo Adyel.
Sem dinheiro para bancar a viagem, ele só foi a Munique após ganhar as passagens do empresário e apresentador de TV Silvio Santos.
Em Los Angeles-1984, ocorreu episódio semelhante, lembra Adyel. O Comitê dos EUA enviou convite para Adhemar por meio do COB, que não teria avisado o bicampeão olímpico. Desta vez, ele foi ao país graças ao convite da extinta TV Manchete.
Entre 1963 e 1990, o COB foi comandado pelo major Sylvio de Magalhães Padilha, que morreu em 2002.
VENDA DAS MEDALHAS
Ao longo de uma hora de entrevista na residência no bairro da Casa Verde, em São Paulo, onde ela mora e onde Adhemar viveu, Adyel altera o tom de voz raramente.
Só adiciona certa ênfase ao falar sobre o COB e as críticas que recebeu ao vender as medalhas de ouro de Adhemar.
"Quando meu pai morreu, percebi que era muito dependente dele. Era uma sinhazinha de 45 anos. Ele pagava tudo, inclusive a escola do meu filho", ela se lembra.
Em 2002, um ano depois da morte do pai, o acúmulo de dívidas a levou a vender as medalhas, além de outros prêmios, para o dirigente esportivo e colecionador Roberta Gesta de Melo.
Pelo primeiro lote, que incluía um dos ouros, Gesta de Melo pagou R$ 15 mil.
Adyel negociou parte do espólio sob a condição de que as peças não saíssem do Brasil. Medalhas e troféus estão na Galeria Olímpica de Manaus, aberta ao público.
"A medalha é minha, faço o que quiser. Mantive a dignidade que o meu pai me ensinou", respondeu Adyel a um atleta que a criticou na época da venda.
Ex-cantora, ela desenvolve hoje um projeto social para difundir o atletismo entre as crianças em Miracatu (SP), no Vale do Ribeira. Adyel tem o apoio do Sesi e da Caixa.
CIGARRO
Adhemar fumou ao menos um maço de cigarros por dia dos 16 aos 71 anos. O alemão Dietrich Gerner, técnico de atletismo do São Paulo e o maior responsável pela evolução de Adhemar, sabia que o atleta era adepto do cigarro e só exigia que ele não fumasse diante dos seus olhos.
"Seu pai não tem mais um pulmão", disse o médico do hospital Santa Isabel, em São Paulo, a Adyel após a realização de exames. Em 12 de janeiro de 2001, cinco dias depois da internação, Adhemar, aos 73 anos, sucumbiu aos problemas decorrentes das décadas de cigarro.
No dia seguinte, o título principal do caderno "Esporte", da Folha, era: "Morre o maior atleta da história olímpica nacional".
HOMENAGEM SÃO-PAULINA
Das cinco estrelas que aparecem sobre o emblema do São Paulo Futebol Clube, duas, as douradas, representam recordes mundiais obtidos por Adhemar Ferreira da Silva no salto triplo em 1952 e em 1955. Ele foi atleta do São Paulo entre 1947, quando começou a carreira, e 1955, ano em que se mudou para o Vasco.
As outras três estrelas, vermelhas, referem-se aos títulos mundiais de futebol, em 1992, 1993 e 2005.
OUTRO LADO
Em resposta às críticas de Adyel Silva, a assessoria de imprensa do Comitê Olímpico do Brasil (COB) disse que homenageia o bicampeão dos Jogos por meio do troféu Adhemar Ferreira da Silva.
A láurea é uma das principais condecorações que integram o Prêmio Brasil Olímpico, um evento anual.
A honraria é entregue desde 2001, ano em que Adhemar morreu, aos 73 anos.
"O troféu tem como objetivo homenagear atletas e ex-atletas que representem os valores que marcaram a carreira e a vida de Adhemar, tais como ética, eficiência técnica e física, esportividade, respeito ao próximo, companheirismo e espírito coletivo", escreveu o COB em e-mail enviado à Folha.
O último ganhador do troféu Adhemar foi o técnico de vôlei Bernardinho.
O comitê preferiu não comentar a crítica feita por Adyel de que o pai dela deveria dar nome a um dos aparelhos olímpicos dos Jogos do Rio.
A entidade também não falou sobre as queixas de Adyel de que o COB não teria repassado a Adhemar os convites de comitês internacionais para participar de Munique-1972 e Los Angeles-1984.
Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br
Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.brPublicidade -