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    Copa do Mundo 2018

    Rússia fecha cerco contra principal hooligan do país, ex-aliado de Putin

    ALEX SABINO
    FÁBIO ALEIXO
    DE SÃO PAULO

    03/11/2017 02h00

    Vasily Maximov/AFP
    Alexander Shprigin desembarca em Moscou após ser expulso da França na Eurocopa
    Alexander Shprigin desembarca em Moscou após ser expulso da França na Eurocopa

    O Serviço Federal de Segurança (FSB, em inglês) da Rússia convocou, no início do ano, os principais hooligans do país para reunião em Moscou. Em uma conversa que os participantes definiram como "amigável", o general Aleksandr Bortnikov, diretor da FSB, avisou o que lhes esperava se causassem tumultos durante a Copa de 2018.

    A FSB é considerada sucessora da KGB, o serviço secreto da União Soviética. Não é difícil entender que quando a polícia secreta pede alguma coisa no país, você obedece.

    O recado tinha um alvo óbvio: Alexander Shprigin.

    "Ele é reconhecido como alguém capaz de influenciar os outros torcedores violentos. Se você analisar a importância que ele tem no futebol da Rússia, um país que vai sediar a Copa do Mundo, é para se preocupar", afirma o ativista Piara Power, diretor da Fare Network, que combate discriminação no esporte.

    Shprigin é o mais famoso hooligan do país. Em 2007, fundou a União de Todos os Torcedores Russos, mas sua fama só atravessou fronteiras no ano passado, quando foi um dos 20 expulsos da França por brigas dentro e fora de estádios durante a Eurocopa. Ele foi recebido como um herói ao retornar a Moscou.

    Para ativistas e autoridades, Shprigin é o principal nome entre os torcedores com ligações com movimentos de extrema-direita na Rússia.

    "Ele é a imagem mais visível de um problema sério que, apesar dos esforços do governo russo, continua surgindo. E os políticos vão querer passar uma boa imagem do país para o mundo no próximo ano. Apesar disso, entre 2016 e 2017, aconteceram 87 incidentes nos estádios ligados a xenofobia ou manifestações de extrema-direita", declara Alexander Verkhovski, diretor do Sova, centro de informação e análise de incidentes xenófobos e racistas.

    RACISMO

    A preocupação com Shprigin não é por ser um torcedor com histórico de violência. Ele já foi flagrado fazendo saudação nazista em um show de rock. Em entrevista, afirmou que gostaria de ver apenas jogadores com aparência eslava na seleção. Disse que todos os torcedores gostam do "poder branco".

    Shprigin também possui ligações políticas. É funcionário do gabinete do deputado Igor Lebedev, que escreveu em sua conta no Twitter não ter visto nada de errado nos atos de violência dos torcedores russos na Eurocopa. Até o presidente Vladimir Putin ironizou: "Não sei como 200 russos podem ter machucado milhares de ingleses."

    Lebedev é o deputado que sugeriu legalizar as brigas de torcedores e torná-las um esporte. Disse que Putin deveria jogar bombas na Letônia, Japão e Turquia.

    Shprigin viajava com um crachá de integrante da delegação da Federação Russa.

    "É inaceitável que alguém como ele possa ser visto como uma pessoa influente no país que vai sediar a Copa do Mundo", completou Power.

    Em junho deste ano, Shprigin recebeu autorização para assistir à Copa das Confederações e teve sua FanID (identidade do fã) aprovada pelo governo russo. O documento, tido como uma das principais armas dos organizadores contra hooligans e terroristas, tinha de ser apresentado junto com o ingresso para dar acesso aos estádios, em sistema que será repetido na Copa do Mundo.

    Momentos antes de a bola rolar na partida de abertura da competição, porém, seu documento foi cassado. Nenhuma explicação sobre a falha no controle foi dada.

    Torcedor do Dínamo de Moscou, Shprigin foi fotografado em delegações que inspecionaram obras em estádios que serão usados no Mundial. Apelidado de Comanche, disse ao site Politico que os incidentes de extrema-direita em que se envolveu aconteceram no passado, quando era jovem, e hoje não tem as mesmas opiniões.

    "Se eu encontrar um negro ou imigrante na rua, não me causa emoção alguma", afirmou, antes de admitir considerar a violência uma marca de respeito.

    Ria Novosti/AFP
    Russian Prime Minister Vladimir Putin (R), Sports, Tourism and Youth Policy Minister Vitaly Mutko (L), and Russia's football supporters association head Alexander Shprygin, walk on December 21, 2010 to lay flowers at the grave of slain Spartak Moscow fan Yegor Sviridov in Moscow. Putin condemned as a tragedy the death of Yegor Sviridov, 28, shot on December 5 in a fight with a group of men from the Russian Caucasus and held a minute of silence in his memory. AFP PHOTO / RIA NOVOSTI / POOL / ALEXEY NIKOLSKY / AFP PHOTO / POOL / Alexey NIKOLSKY ORG XMIT: KAD169 DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
    Alexander Shprygin, à esquerda de Vladimir Puntin, o mais à direita, em cerimônia no túmulo de um torcedor do Spartak de Moscou

    LIGAÇÕES PERIGOSAS

    A preocupação com Shprigin e os hooligans russos é maior porque eles fogem do padrão encontrado no futebol do Ocidente. Para organizações como a Sova, eles são especialistas em causar brigas e se preparam metodicamente para isso. Em geral, são muito bem preparados fisicamente e têm histórico de ligação com o poder do país.

    A partir de 2004, o governo russo se aproximou dos líderes de facções violentas de torcedores em diferentes clubes do país. Colocou-os como integrantes de comitês pró-Putin em várias cidades.

    Há registros de que estiveram envolvidos em agressões a ativistas críticos do governo. A ligação ocorreu porque o presidente queria evitar que se repetissem na Rússia fatos semelhantes aos da Ucrânia, onde a chamada "Revolução Laranja" anulou a eleição presidencial.

    Zeloso de sua imagem para o resto do mundo e com sonhos de restaurar o poder da Rússia, Putin quer assegurar que a Copa aconteça sem incidentes. Isso significa também conter os hooligans. Por isso o convite feito pelo FSB.

    O cerco começou a se fechar ao redor de Shprigin. Do dia para a noite, o governo federal determinou que a União Russa de Futebol, que regulamenta o esporte no país, cortasse laços com a União de Todos os Torcedores.

    Em janeiro, ele foi preso por policiais encapuzados e levado para um centro de detenção, acusado de envolvimento em briga de torcedores em jogo do campeonato local. Quando liberado, seu carro havia sido incendiado.

    "Eu me aposentei de ser hooligan. Ninguém precisa se preocupar comigo", disse.

    Por via das dúvidas, o governo russo baniu mil torcedores de comparecerem a estádios e, de forma mais discreta, deixou claro que, a qualquer sinal de desordem, a polícia pode fazer uma visita aos baderneiros.

    Isso serviu, por enquanto, para acalmar Shprigin.

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