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    Grupo mistura canções tradicionais de diferentes países; leia entrevista

    MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
    DA PUBLIFOLHA

    20/09/2014 00h01

    O espetáculo "Pelo Mundo com Mawaca" estreou em março de 2013, fez temporadas em São Paulo e volta a cartaz no Sesc Consolação. Depois o grupo vai a Recife (PE) participar da "Edição 2014 do Festival Conte Outra Vez", de contação de histórias, no próximo dia 28.

    A musicista, cantora, roteirista e diretora do espetáculo, Magda Pucci, e o músico Gabriel Levy, que integra o Mawaca e pesquisa com Magda desde 1993 até hoje, falaram à "Folhinha" sobre as músicas do grupo, que tem 18 anos de existência, seis CDs, como "Rupestres Sonoros - O Canto dos Povos da Floresta" (2009), e quatro DVDs, como "Inquilinos do Mundo" (2013).

    Leia a seguir a entrevista com os artistas.

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    Folhinha - O espetáculo é baseado no livro que você fez com Heloisa Prieto, "De Todos os Cantos do Mundo" (Cia. das Letras)?
    Magda Pucci - O roteiro é meu, mas foram feitas muitas mudanças quando levamos para o espaço cênico. O mote foi o livro. Antes mesmo de o Mawaca ter lançado CD, a Heloisa Prieto já ouvia nossas músicas com os filhos pequenos e sempre quis fazer algum projeto com a gente. Em 2004, ela levou para a Companhia das Letrinhas a ideia de fazer esse livro a quatro mãos. Acabei usando parte das músicas publicadas nele no espetáculo, digamos que 80% do show é adaptação do livro.

    O que significa "Mawaca"?
    A palavra "mawaca" é hauçá, língua dos africanos muçulmanos do norte da Nigéria, e significa "cantores que evocam através da palavra o poder dos espíritos". Por coincidência, depois descobri que esse mesmo som, em outras culturas, escrito com outras grafias, às vezes com "w", às vezes com "hu", com "c" ou "k", significa algo parecido. O ideograma japonês relacionado com esse som representa "o espaço para o canto sagrado".

    Esses significados têm a ver um pouco com o que o Mawaca faz, porque a gente canta várias músicas muito antigas, que passaram de geração a geração pela tradição oral e remetem a essa força de transmissão de sabedoria.

    Vocês também criam?
    "Kali" é uma composição minha, em parceria(com Marcus Santurys e a indiana Ratnabali Adhikari, que vive em São Paulo, sobre a deusa hindu Kali. A gente musicou um poema tradicional, uma oração. A figura de Kali é tradicional. "Pra Qualquer Santo" também. É um cordel do poeta Patativa do Assaré que também é de tradição remota. Há composições que são contemporâneas, e a gente trabalha os arranjos no contexto contemporâneo com as músicas tradicionais. Não necessariamente a gente faz ipsis litteris [igualzinho à original] dentro da tradição.

    Em "Zemer Atik", que é uma canção supertradicional hebraica, os arranjos trazem outros elementos. Eu trouxe elementos orientais, e essa música é mais ocidentalizada. A tradição chassídica modernizou-se para atingir o jovem e eu fiz o contrário, pus com a cara que eu achava que era dela, a gente adora fazer misturas.

    Como explicam a importância de ser multicultural?
    Gabriel Levy - Hoje, a molecada toda tem acesso à internet e consegue fazer amigos em qualquer parte do mundo. Você pode ter um amigo na Índia, na China, em geral, as pessoas se comunicam um pouco por inglês ou pesquisa no tradutor do Google e traduz mais ou menos.

    Outro dia eu procurava um vídeo da Bulgária e, quando vi, estava em uma festa de casamento que alguém filmou no celular. Em outro momento, eu pesquisava uma música de ninar indiana e vi um vídeo de uma mulher filmando o marido com o neném no colo.

    A gente consegue ver o mundo quase como se a gente estivesse lá. A gente pode ver tudo, pela internet ou pela TV e pelos sucessos da moda. Mas acaba vendo só um pouquinho. Acho legal as crianças saírem um pouco do que elas veem na televisão e começarem a procurar músicas diferentes, fora do sucesso, para conhecer os instrumentos musicais que existem no mundo.

    Você toca acordeom e "kalimba"?
    Gabriel Levy - E "shamisen", que é um instrumento japonês. No show a gente usa a tabla, que é da Índia, a "kalimba" africana, o "hulusi" chinês, os gongos chineses e japoneses. No canto Paiter Suruí, a gente faz uma brincadeira, uma ambiência sonora, isso é legal de as crianças aprenderem. Imagine que você está criando um ambiente de uma cidade e junta vários sons nessa música. Como a música vai para a floresta, a gente criou uma paisagem sonora de floresta, então tem passarinhos, sons de natureza. A gente usa apitos, tambor, chocalho.

    Magda Pucci - A gente não segue a tradição à risca, mas cria um imaginário. Ter fronteiras muito limitadoras das tradições não faz parte da nossa maneira de pensar.

    Gabriel Levy - Todas as estéticas musicais podem ter o seu espaço e conversar entre si. Se você tem um amigo indiano, toca com ele um pouco do seu som, e ele toca o dele.

    Magda Pucci - Às vezes essas fusões acontecem porque musicalmente fazem sentido. Tocamos uma música espanhola e percebemos que ela parece um baião e decidimos pôr um baião junto porque vinha o baião na cabeça. Não tem ligação especifica com aquela música, historicamente falando, mas se deu essa relação em algum momento. Há outras músicas que são historicamente ligadas, como a cantiga de ninar brasileira, que tem tudo a ver com as músicas portuguesas.

    Como definem a música do Mawaca?
    Gabriel Levy - Os músicos do Mawaca gostam de ouvir músicas do mundo inteiro e têm vontade de tocar essas músicas, então, a gente brinca com elas e, quando a gente vê, já misturou um monte de música diferentes.
    A gente não fica num estilo só. Mawaca não é uma banda de rock, não é uma banda de MPB, não é de música clássica, mas a gente faz um pouquinho de cada coisa e gosta de brincar um pouco com todas as músicas do planeta.

    Magda Pucci - A gente pesquisa diversas tradições musicais e trabalha em diferentes fronteiras.

    Gabriel Levy - Na cultura as fronteiras são fluidas e difusas, não são como fronteiras políticas entre países. As estéticas musicais atravessam essas fronteiras. Tem muita música brasileira que se parece com a do Uruguai ou da Argentina.

    Vocês pesquisam várias culturas, mas são tão brasileiros nas cantigas, na contação de histórias e no teatro de bonecos.
    Gabriel Levy - A gente fala com a criança brasileira. A música tem esse poder, a pessoa não entende o que a letra diz, mas se envolve com o som, com as melodias, os instrumentos, e isso a coloca em um lugar que não é a Índia nem o Brasil, é o lugar da música.

    Por que vocês contam histórias e acrescentam teatro no espetáculo?
    Gabriel Levy - A contação de histórias explica um pouco para a pessoa viajar na direção de onde a música veio. Na projeção há mapas localizando esses lugares, aparece a Tanzânia, por exemplo, são paisagens didáticas e estéticas, no sentido de ser um cenário.

    O Mawaca trabalha com a utopia da harmonia entre os povos?
    Gabriel Levy - A utopia é garantir um espaço para todas as músicas, a gente tem esse desejo. Há muita música legal no mundo que não tem espaço, a que não se tem acesso, a que é difícil chegar.

    Magda Pucci - A gente facilita o caminho, pesquisa, faz os arranjos de um jeito acessível porque existem várias músicas originais consideradas difíceis e a gente faz um meio de campo. O Mawaca fez um disco de música indígena e misturou instrumentos e até elementos da música eletrônica. Há pessoas que resolvem ouvir e escutam música indígena. O primeiro passo é entender esse universo musical. A gente faz uma interface entre as músicas originais e o que as pessoas estão acostumadas a ouvir.

    Nosso trabalho não é especificamente para crianças. "Allunde, Alluyá" [da Tanzânia] é uma canção para crianças. A música Paiter Suruí era um canto de guerra que depois se transformou em cantiga de ninar. Essa historia é verdadeira, o canto era do inimigo, deu-se um contato antropofágico, os Paiter Suruí adotaram esse canto.

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