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    Longa de Bruce LaBruce usa zumbis para analisar culto à morte

    SILAS MARTÍ
    da Folha de S.Paulo

    19/11/2008 09h30

    Sexo explícito é pouco. Em "Otto; ou Viva Gente Morta", mistura bizarra de filme de zumbi com pornô, o diretor canadense Bruce LaBruce criou orgias viscerais: mortos-vivos afagam suas entranhas e descobrem novas formas de penetração, tudo com muito sangue. O longa passa nesta quarta-feira, à meia-noite, no Cinesesc, dentro do Festival Mix Brasil, em São Paulo.

    Divulgação
    O ator belga Jey Crisfar faz o papel principal em "Otto, ou Viva Gente Morta", de Bruce LaBruce
    O ator belga Jey Crisfar é o protagonista do filme "Otto, ou Viva Gente Morta", de LaBruce

    "A morte é sexy", diz LaBruce em entrevista à Folha. "É estranho as pessoas criticarem a cena em que os zumbis chupam suas tripas, quando a TV mostra todos os dias cenas estarrecedoras de autópsias, cérebros em decomposição."

    LaBruce, conhecido por introduzir moda punk e roupagem estetizada à pornografia, compara seus bacanais sanguinolentos a uma suposta fixação da cultura pop pela morte.

    "É o mesmo que a Angelina Jolie, que tem cara de estrela pornô, aparecer segurando uma enorme metralhadora fálica com seus bracinhos anoréxicos", diz LaBruce. "Do mesmo jeito que a morte real de Heath Ledger acabou promovendo "Batman: O Cavaleiro das Trevas", o pornô zumbi e a necrofilia derivam disso tudo, a morte se transforma em sexo."

    Mas LaBruce acredita que está muito além do mainstream --o co-produtor do filme é o polêmico artista Terence Koh, conhecido por vender, como obras de arte, excrementos e o próprio sêmen. LaBruce e companhia querem que "Otto" seja visto como crítica à violência exacerbada de Hollywood.

    "Virou moda fazer filmes de tortura e violência", afirma LaBruce. "Mas o meu filme é uma representação artística da morte, o excesso de sangue acaba virando uma pintura."

    De fato, todas as cenas de sexo do filme começam com mordidas de leve e terminam com as paredes cobertas com uma camada grossa de sangue cenográfico, sem contar braços, pernas e membros sortidos espalhados pelo chão. É a metonímia grotesca de LaBruce para o amor homossexual.

    Alegoria gay

    Não foi, aliás, só a vontade de evocar "A Noite dos Mortos Vivos", de George Romero, que levou LaBruce a filmar seus zumbis gays. Toda a bizarrice e o colorido do sexo com vísceras e carcaças está a serviço de uma alegoria sobre a vida homossexual: a sensação de desajuste, o isolamento e a solidão.

    "Se você vai à noite a um parque ou banheiro público em busca de sexo, vai ver as pessoas em transe, andando como zumbis", descreve LaBruce. "No filme, esse exterior zumbi é a expressão dos sentimentos íntimos dos personagens, que não se encaixam na sociedade."

    Otto, o personagem-título, é um jovem morto-vivo sem teto, vegetariano e gay, na ponta extrema dessa alegoria da exclusão. Ele vaga por Berlim atrás de sexo e comida e sofre com a violência do mundo dos vivos. "Muitos gays acham que o mundo ficou hostil e brutal demais, então se desligam de tudo, num tipo de autismo."

    Mas "Otto" não condena esse isolamento. Vendida como filme de autor, a obra de LaBruce também arma suas bases num gueto estético, reforça estereótipos e consegue tornar glamouroso o desespero gay.

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