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    ILUSTRADA 50 ANOS: 1999 - Mauro Rasi, o marido de Pérola

    "O marido de Pérola", assinado por Erika Sallum, foi publicado originalmente segunda-feira, 8 de março de 1999.

    26/11/2008 12h50

    Em um apartamento em obras, no Leblon, a 700 km de Bauru, sua cidade natal, o autor e diretor Mauro Rasi vai aos poucos reencontrando um menino de 10 anos do interior de São Paulo que decidiu ser dramaturgo ao assistir uma peça, "O Crime do Dr. Alvarenga".

    Na época encenado por amadores da cidadezinha, o texto foi escrito por um comerciante que nas horas vagas sonhava em ser autor de teatro: Oswaldo Rasi. E cujos limites eram apenas um: Bauru.

    Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
    O dramaturgo Mauro Rasi, em sua cobertura no Leblon
    O dramaturgo Mauro Rasi, em sua cobertura no Leblon

    Mais de três décadas depois, o garoto ultrapassou o próprio pai e se tornou um dos teatrólogos mais consagrados do país, autor de sucessos como "Pérola".

    Agora, Mauro Rasi acata um desejo de Oswaldo -morto no final de 98 aos 80 anos- e dirige "O Crime do Dr. Alvarenga", que tem estréia marcada para o dia 10 em Bauru, seguindo para o Festival de Curitiba, onde faz duas apresentações. A partir de 1º de abril, entra em cartaz em São Paulo.

    Misturando ficção e realidade, a montagem traz como protagonista e pai de Rasi o ator Paulo Autran. Completando o elenco, estão Drica Morais, Marilu Bueno, Ernani Moraes e Guilherme Piva.

    Se "Pérola" -vista por mais de 300 mil pessoas em quatro anos- é dedicada à mãe do dramaturgo, "O Crime do Dr. Alvarenga" centra-se na figura do pai, a partir de um texto escrito por ele mesmo.

    "Digo que 'O Crime' é de Oswaldo Rasi investigado por seu filho, Mauro. Começo contando a história de um homem de 80 anos desiludido, desencantado, viúvo, abandonado pelos amigos, aposentado. Mas que ainda guarda a semente de ver seu texto encenado pelo filho", diz Rasi, no Rio, em sua nova cobertura no Leblon.

    O apartamento, em reformas, também serve de sala de ensaios para o grupo desde de janeiro. Ali, Rasi -que em meio às obras ocupa, improvisado, uma das suítes- guarda retratos da família.

    Mostrando a foto de um jovem Vado, como Oswaldo era conhecido, o diretor recorda: "Quando meu pai morreu, na hora de fechar o caixão, estávamos eu, minha irmã e a Vera (Holtz, protagonista de 'Pérola'). Naquele momento, tive a sensação de que ele saía da vida para entrar na ficção. Pena que não esperou para ver isso..."

    Dois em um

    "O Crime do Dr. Alvarenga" reúne duas peças em uma só, mostrando a família Rasi (como acontece em "Pérola"), liderada por Oswaldo, montando sua obra teatral.

    Os atores vão se revezando entre Bauru e um thriller noir dos anos 50, no qual o Alvarenga do título é um médico que tenta descobrir a cura da leucemia.

    Emílio, o narrador/alter ego de Rasi que também aparece em "Pérola", lentamente começa a dirigir a peça do pai, e os personagens transitam entre os dois mundos.

    "Se me perguntassem o que é esse espetáculo, responderia que, antes de tudo, é a história de um homem que sonhou do tamanho de sua cidade, do tamanho de Bauru."

    Oswaldo era comerciante agitado, chegou a ser vereador. Além de peças, escreveu autos de Natal, novelas de rádio. Uma frase do texto, conta Rasi, resume seu universo: "Olha, meu filho, você sabe que viajei muito, já estive em Paris, mas, como Bauru, não existe!".

    Segundo seu filho, Vado queria ser escritor. Na opinião de Rasi, talvez tenha sido por isso que o pai o sustentou até os 32 anos. "Na maior vagabundagem", ressalta.

    Com Vado, o pequeno Mauro criou o hábito de ir a São Paulo ver o que acontecia nos palcos da cidade. Assistiu "Pequenos Burgueses", "Arena Conta Zumbi", "O Rei da Vela"... "O Zé Celso (Martinez Corrêa) e o (Augusto) Boal nem sabem o que fizeram comigo! Voltava para Bauru e ficava louco."

    Precoce, aos 13 anos acabou até recebendo um prêmio das mãos de Antonio Abujamra por uma peça que tinha escrito e dirigido. O texto, "polêmico", falava de sexo, drogas, homossexualismo. "Teve uma mãe que bateu na filha porque não sabia que ela fazia striptease em cena", diz, às gargalhadas.

    Assim como em "Pérola", os conflitos entre Emílio/Mauro e sua família/Bauru vão entremeando a montagem. "Teatro é conflito, e a dramaticidade sai do real e vai para o palco. Tirei tudo o que era da minha vida e botei no teatro, de uma forma universal. Caso contrário, não interessaria a ninguém."

    Apesar da dor causada pela morte do pai, o novo espetáculo conserva uma característica inerente à obra de Rasi: o humor. Olhando a foto de Vado com carinho, o dramaturgo completa: "Meu pai era uma mistura de Laurence Olivier e Carlos Lacerda. Ele era da UDN (União Democrática Nacional)".

    Sorrindo, pede: "Seria bonito terminar esta reportagem assim: 'O Crime do Dr. Alvarenga", a UDN no palco..."

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