Se o químico francês Antoine Lavoisier estivesse vivo e acabasse de cunhar a célebre "nada se cria, nada se perdem tudo se transforma", certamente arrumaria emprego na Globo -como autor de novelas. Quem duvidar que veja a partir de hoje, às 18h, a nova "Mulheres de Areia", investimento da emissora para dar novo alento ao horário.
O triângulo amoroso, motor da trama, é o mesmo de 20 anos atrás. Ruth, Raquel e Marcos, os amantes, penam com idêntica à de 20 anos atrás. Só que, agora, paixão e ranger de dentes vêm em companhia de discussões ecológicas e até trabalhistas. "As histórias de amor são eternas. Muda a penas o jeito de contá-las", ensina Ivani Ribeiro, autora de "Mulheres". "Qualquer folhetim perdura se os sucessivos narradores mesclarem o conflito passional com temas contemporâneos e atualizarem os traços psicológicos dos personagens".
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Laura Cardoso, Glória Pires e Sebastião Vasconcelos em cena de "Mulheres de Areia", de 1993 |
Tomemos o exemplo de Ruth e Raquel. Gêmeas univitelinas, filhas de pescadores, nasceram em uma novela da década de 40, "As Noivas Morrem no Mar", que Ivani criou e a Rádio São Paulo transmitiu. Em 1973, quando escreveu a primeira versão de "Mulheres" para a TV Tupi, a mesma Ivani fez as irmãs cruzarem caminhos com Marcos. Fez Marcos -bonito, rico, romântico- se apaixonar por elas. E fez a paixão motivo de disputa entre as duas. Exatamente como na versão global. A diferença é que, durante os anos 70, Ruth parecia a madre Tereza de Calcutá e Raquel, um Saddam Hussein de saias. Agora, bem Ruth é tão boa assim, nem Raquel tão má.
"Abandonei o maniqueísmo dos contos de fada e humanizei as gêmeas. Hoje, o público já não acredita em personagens inteiramente bons ou ruins", diz Ivani. Segundo tal raciocínio, a escritora recheou a nova "Mulheres" com bofetões de Ruth e Raquel. "Não será uma nem duas vezes. Sempre que a irmã provocar, Ruth vai reagir à altura. Há duas décadas, o máximo que faria era chorar no quarto".
O "lado positivo" de Raquel se manifestará principalmente nas cenas com a mãe, Isaura. "Em 1973, Raquel maltratava a mãe. Agora, vai respeitá-la profundamente", afirma Ivani.
Para o telespectador, a diferença entre as gêmeas estará menos no que sentem e mais em como se comportam. "Ruth se revelará tímida, caseira, meiga. E Raquel, extrovertida, carismática, sensual", define a autora.
Quanto à discussão ecológica que "Mulheres" pretende abordar, Ivani foi buscá-la em outra novela, "O Espantalho", de 1977. "Escrevi a história para a TV Record a partir de fatos que presenciei em minha cidade natal, São Vicente, no litoral paulista". O protagonista era Rafael, vice-prefeito de uma estância balneária. Em nome do "progresso", ele manda desinterditar as praias poluídas do município. Resultado: um surto de hepatite.
"Quando me lembrei de 'O Espantalho', achei que se casaria bem com 'Mulheres', que poderia modernizá-la. Sem dúvida, há uma certa ironia em usar um texto de 16 anos para atualizar outro de 20. Mas, fazer o quê, se o assunto de 'O Espantalho' continua na crista da onda?", pergunta Ivani.
A autora partiu do personagem Rafael para fundir as duas tramas. "Misturei-o com Virgílio, pai de Marcos. Surgiu, assim, um novo Virgílio, vilão em dose dupla. Primeiro, porque oprime o filho. Depois, porque é o vice-prefeito ambicioso que desinterdita as praias." E as praias ficam justamente na cidade de Ruth e Raquel, Pontal d'Areia.
Ivani Ribeiro diz que levará o tema ecológico às últimas conseqüências. "Em 'O Espantalho', o surto de hepatite não matava ninguém. Agora, vai matar o garoto Reginho. Preciso tornar o problema mais agudo na ficção porque, de 1977 até hoje, as praias do Brasil real só pioraram."
Outro assunto que Ivani tirou de "O Espantalho" para discutir em "Mulheres" é o da aposentadoria. "Vou mostrar que continua ridícula, como há 16 anos".