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    "Me identifico com o vazio", diz jovem presa por pichar Bienal

    DIÓGENES MUNIZ
    editor de Informática da Folha Online

    05/12/2008 07h30

    Atacada por todos os lados, a 28ª Bienal Internacional de São Paulo, que termina neste sábado (6), recebeu em seus últimos dias de exposição um elogio improvável: veio de dentro de uma penitenciária. "Acho interessante. Me identifico um pouco com o vazio", disse à Folha Online a pichadora gaúcha Caroline Pivetta da Mota, 23, (ou Caroline Sustos, como assina seus autos de prisão).

    Caroline Pivetta fala sobre pichação na Bienal parte 1

    Caroline foi uma das 40 pessoas que, no dia 26 de outubro, atacou com spray o prédio da Bienal, no parque Ibirapuera. Ela está encarcerada há 40 dias. Dependendo do julgamento, pode permanecer na Penitenciária Feminina de Santana, onde a reportagem a entrevistou, até a próxima Bienal, em 2010.

    Choque/Folha Imagem
    Caroline e outros dois jovens picham as paredes do prédio da Bienal, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer
    Caroline e outros dois jovens picham as paredes do prédio da Bienal, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer

    Na denúncia do Ministério Público do Estado de São Paulo, Caroline é acusada de se associar a "milicianos" com fins de "destruir as dependências do prédio". Ela faz parte da auto-intitulada gangue Susto's (myspace.com/sustosfamilia). É a única garota do grupo de pichadores, além de ser novata --foi convidada neste ano, mesmo com discordância de alguns líderes.

    Enquadrada no artigo 62 da Lei de Crimes Ambientais (destruição de patrimônio cultural), pode pegar de um a três anos de prisão. Além da Bienal, Caroline estava ainda nos ataques à piche na galeria Choque Cultural, em Pinheiros, e no Centro Universitário Belas Artes --ela também responde processo por este último.

    Choque/Folha Imagem
    A 28ª Bienal Internacional de São Paulo acaba neste sábado, mas a pichadora Caroline continua presa por pintar a exposição do vazio
    A 28ª Bienal Internacional de São Paulo acaba neste sábado, mas a pichadora Caroline continua presa por pintar a exposição do vazio

    No entanto, seu primeiro problema sério envolvendo pichação ocorreu há cerca de cinco meses, após pintar um prédio da Polícia do Exército, no centro de São Paulo. Conseguiu um processo militar, sobre o qual pouco sabe.

    Na Bienal, não havia integrantes de apenas um grupo, segundo ela. "Cada um 'colou' lá por um motivo", explica. O dela? "Estava me manifestando contra os desfavorecidos, os que não tem acesso àquela coisa toda [a exposição]." E emenda: "Claro que eu não precisava me expor dessa forma. Fui lá pela manifestação, para acompanhar os meninos, não pelo Susto's. Se tivesse me privado daquilo, estaria hoje na rua fazendo o que gosto, que é pichar."

    Ela aprova a temática da mostra, porque "todo mundo tem um vazio dentro de si". "Tanto na Bienal, quanto na Belas Artes, fui só para ver o que ia rolar. Mas, quando percebi, a lata de spray já estava na minha mão", diz, rindo de si mesma.

    Na exposição, foi preso ainda o taxista Rafael Vieira Camargo Martins, 27, também do Susto's. Ele vai responder ao processo em liberdade e alega ter apenas seguido o ato como espectador.

    Caroline Pivetta fala sobre pichação na Bienal parte 3

    Meta de vida

    Arquivo Pessoal
    Caroline Pivetta da Mota, 23, aponta uma de suas pichações favoritas na capital paulista
    Caroline Pivetta da Mota, 23, aponta uma de suas pichações favoritas na capital paulista

    "Tanto grafite, quanto picho são underground, coisa do fundão. Não são feitos para exposição em galeria. A parada que eu faço é na rua, é para o povo olhar e não gostar. Uma agressão visual", diz Caroline, que começou a pichar aos 12 anos. Questionada sobre seus gostos musicais, cita bandas de reggae e de Oi! (gênero cujos apreciadores vão de punks a skinheads antifascistas). Na esteira da conversa sobre música e grupos urbanos, lembra que já foi espancada por anarco-punks em Porto Alegre e que um de seus melhores amigos acabou morto em uma briga de rua em São Paulo.

    A jovem cursou até o primeiro ano do ensino médio. Largou os estudos após tentar se suicidar, um dos poucos assuntos sobre o qual prefere não falar. Já trabalhou como atendente de telemarketing e, antes de transformar a pichação numa "meta na vida", vendia artesanato e camisetas na rua. Sua mãe, a artesã Rosemari Pivetta da Mota, viajou do Rio Grande do Sul a São Paulo nesta semana --Caroline, filha única, não foi criada pelo pai.

    Na prisão, a pichadora está dividindo a cela com uma evangélica. "Tenho que ficar assistindo ao canal da igreja", brinca. Vegetariana, lamenta comer carne, porque "tem dias que não tem como encarar esse arroz e feijão daqui".

    Na semana passada, ganhou uma pichação no próprio corpo: tatuou Susto's no antebraço direito, dentro da cadeia.

    Caroline Pivetta fala sobre pichação na Bienal parte 2

    Pressão

    Antes da Bienal e da galeria Choque Cultural, a jovem só havia entrado em uma exposição na vida, sobre o artista espanhol Joan Miró (1893-1983). "Achei bem louco", diz, sobre a mostra do Santander Cultural de Porto Alegre.

    De acordo com os advogados de Caroline, ela não conseguiu comprovar residência fixa, tampouco ocupação legal, por isso permanece presa. Eles dizem que farão mais um pedido à Justiça para que a jovem responda em liberdade.

    A Bienal nega fazer pressão para mantê-la atrás das grades, embora os advogados da instituição dêem como certa a condenação dos jovens. Diversos artistas cobram a fundação para liberá-la.

    Folha Imagem/Choque
    Pichadores fazem protesto em São Paulo, pedindo a libertação de Caroline Pivetta da Mota; Bienal nega pressão para mantê-la presa
    Pichadores fazem protesto em São Paulo, pedindo a libertação de Caroline Pivetta da Mota; Bienal nega pressão para mantê-la presa

    "Coube à Fundação Bienal de São Paulo registrar boletim de ocorrência após a pichação. A Fundação não possui qualquer ingerência sobre o caso, que é de responsabilidade única e exclusiva da Justiça", declarou a Bienal, por meio de sua assessoria de imprensa.

    "Eles diziam ser um espaço interativo. Rolou de algumas pessoas entrarem lá para discutir arte contemporânea. O cara que ficou pelado [Maurício Ianês] estava integrado com o sistema, para a gente não é assim. A arte tem que ser livre", diz o pichador Rafael Guedes Augustaitiz, o Pixobomb, líder das ações. Foi ele quem, em junho passado, apresentou como TCC (trabalho de conclusão de curso) um ataque de spray a sua faculdade.

    "A gente não queria estragar as obras deles [da Bienal], mesmo porque não tinha obra. A obra, ali, nós que íamos fazer", afirma Caroline. Embora seja chamada informalmente de Bienal do Vazio, o título oficial da mostra é "Em Vivo Contato".

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