A comédia "Se Eu Fosse Você 2", de Daniel Filho, atingiu a marca de 5,324 milhões de espectadores ontem e tornou-se o filme nacional mais visto nos cinemas desde 1995, início do período chamado "retomada".
Divulgação |
Glória Pires e Tony Ramos em "Se Eu Fosse Você 2", que teve público de 5,324 milhões |
O termo designa o reaquecimento da produção, proporcionado pelas leis de incentivo à cultura via renúncia fiscal, após o colapso do modelo assentado na distribuição de verbas pela Embrafilme, extinta pelo presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992).
Além de ultrapassar os 5,319 milhões de espectadores de "2 Filhos de Francisco" (2005), de Breno Silveira, "Se Eu Fosse Você 2" registra a quinta maior renda (R$ 44,9 milhões) da história do país, considerados títulos nacionais e estrangeiros. Apenas sete filmes arrecadaram acima de R$ 40 milhões.
A renda obtida pelos filmes na bilheteria é dividida entre os exibidores, o distribuidor e os produtores, depois de descontado o pagamento de impostos.
"É a vitória contra o 'derrotismo' que paira sobre as artes brasileiras. Ser a quinta bilheteria do Brasil, atrás de 'Titanic' e dos três 'Homem-Aranha', mostra que temos fôlego e que o público brasileiro está pronto para receber o que é nosso --cinema popular bom e sem legendas", diz Daniel Filho.
O resultado de "Se Eu Fosse Você 2" expulsa "Tropa de Elite" (2007), de José Padilha, da lista dos dez filmes de maior público da retomada --ele ocupava o décimo lugar e era o único sem o selo Globo Filmes.
Assim, a liderança do longa de Daniel Filho devolve à produtora Globo Filmes, da qual ele é diretor-artístico, o domínio absoluto do ranking de êxitos da história recente do país.
A questão do incentivo
A sequência da história da troca de corpos entre o casal Helena (Glória Pires) e Cláudio (Tony Ramos) foi produzida com R$ 6 milhões, reunidos pela produtora Total Entertainement com o uso das leis Rouanet e do Audiovisual.
Como coprodutora deste e de outros quase 80 longas, a Globo Filmes é sócia de títulos beneficiados por incentivo fiscal. Nos bastidores do mercado, há quem julgue incorreto que a divisão de cinema da maior emissora de TV aberta do país beneficie-se indiretamente de mecanismos criados para impulsionar a produção "independente" dos atores hegemônicos da cadeia audiovisual.
"Quando dizem isso, eu falo: era preferível que todos comprassem a mídia que a gente coloca [na divulgação de suas coproduções], porque a Globo ia ficar muito mais feliz. A Globo Filmes iria faturar tranquilamente umas dez vezes mais do que fatura por ano", diz Carlos Eduardo Rodrigues, diretor-executivo da Globo Filmes.
Segundo Rodrigues, a Globo Filmes "se paga operacionalmente, mas é altamente deficitária, se for olhar a conta da mídia". A empresa investe por ano, de acordo com ele, em torno de R$ 25 milhões em spots publicitários na TV Globo.
Arte/Folha online | ||
Não entram nessa conta, diz ele, "outros tantos [milhões] em ações de merchandising e outras mídias", cujos valores "nem são contabilizados, para efeitos de negociação e de retorno, senão seria impossível" estabelecer os acordos de coprodução, em que a Globo Filmes é sempre sócia minoritária --possui entre 15% e 20% dos filmes--, em respeito a determinações legais.
A divisão de cinema das organizações Globo foi lançada em 1998, com um "objetivo estratégico", diz Rodrigues. "A Globo entende que, se o conteúdo nacional for dominante na TV, no cinema e em outras mídias, a gente estará fortalecendo a cultura brasileira e as produtoras brasileiras, inclusive a Globo, que é a maior delas", afirma.
É meta da Globo Filmes "apoiar o cinema a conquistar mercado dentro do Brasil", diz Rodrigues. A ocupação do filme nacional no mercado interno ronda os 10% no período da retomada, excetuando-se o ano de 2003, quando a fatia do produto brasileiro foi de 21%.
A estimativa de Rodrigues é que "Se Eu Fosse Você 2" atinja público de 5,5 milhões até ser retirado de cartaz (está em 287 salas), para dar lugar à campanha de lançamento do DVD, etapa essencial para a expansão do lucro de filmes de sucesso.
A produtora Walkiria Barbosa (Total Entertainement) lamenta que o Brasil tenha só 2.102 salas de cinema. "Se tivéssemos um parque exibidor como o do México [mais de 3.000 salas], esse filme poderia facilmente chegar aos 10 milhões de espectadores", diz.
É de 1976, quando o país possuía mais cinemas, o recordista nacional de público da história: "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976), de Bruno Barreto, com cerca de 11 milhões.